Opinião
O 20 de novembro e a ressignificação da história do povo negro no Brasil
por César Jacinto | Professor, Mestre em Ensino e Pesquisador da História e Cultura Afro-brasileira
por Redação JM
Escrever sobre a resistência negra no Brasil parece algo repetitivo e enfadonho, porém esta impressão inicial começa a ser desfeita quando analisamos como se estrutura o racismo em nossa sociedade, tão consolidado que praticamente não houve alteração nos seus efeitos maléficos apesar de estar no século XXI. O racismo com suas ramificações provoca cicatrizes não apenas visíveis como agressões físicas, mas psicológicas, que afetam a autoestima desse segmento populacional, por isso é necessário valorizar a contribuição negra para o país.
O quilombo dos Palmares tornou-se uma referência cultural, sociológica e antropológica com seus modos de ser e viver e também da organização do estado democrático e participativo, reproduzindo fielmente a organização social e política de reinos africanos, tinha como regime a monarquia parlamentarista, formado por representantes de povos e segmentos que habitavam a região, não eram apenas negros foragidos das fazendas de alagoas e pernambuco que integravam este parlamento, mas povos indígenas, comerciantes e outros cidadãos que não concordavam com o sistema escravocrata vigente.
Palmares tem sido inspiração para as gerações posteriores no enfrentamento ao racismo, abrangendo a busca por equidade e valorização das diferenças e reconhecimentos dos direitos da população negra numa sociedade excludente e reprodutora de todas as formas de preconceito. O feriado de 20 de novembro reivindicado não somente por negras e negros militantes, mas por todos que tem a liberdade e a justiça como princípios fundamentais para constituição de uma nação com democracia plena e livre, é o único que não tem relação com setores hegemônicos da sociedade brasileira.
A lacuna de feriados nacionais alusivos às efemérides afro-brasileiras ou indígenas demonstra o quanto o racismo estrutural atua nessa perspectiva de negação e apagamento das contribuições desses povos, apesar dessa relação de poder, a data do 20 de novembro já era feriado em seis estados e em cerca de 1000 municípios, A subversão dessa ordem eurocêntrica começou em 2021 com a tramitação do projeto de lei, que se transformou na lei: 14.759/23 aprovado nas duas casas legislativas (Câmara Federal e Senado) e sancionada pelo presidente Lula em dezembro de 2023.
2024 será o primeiro ano da celebração da Consciência Negra e da eternidade de Zumbi dos Palmares como feriado nacional. A data refere-se não somente a este ícone da liberdade, mas a todos que lutam por uma sociedade mais país, o legado de Aqualtune, Acotirene, Ganga Zumba, Dandara da república de Palmares, de Luiza Mahin, líder da revolta dos Malês e seu filho Luiz Gama, hábil advogado, e tantos herois e heroínas de todos os tempos.
{AD-READ-3}O ano de 2024 também assinala os 180 anos do massacre de Porongos, quando os gloriosos Lanceiros Negros foram dizimados na traição efetivada as 2 horas da madrugada do dia 14 de novembro de 1844, episódio que durante anos a historiografia caucasiana chamou de surpresa de Porongos, os verdadeiros heróis invisibilizados, que lutaram pela sua liberdade, que buscam o reconhecimento de seus feitos e de sua importância para revolução Farroupilha.
A luta incessante por igualdade de direitos e oportunidades continua, pois ainda persiste o racismo estrutural, que funciona como uma força de atrito para ascensão da população negra, porém com a inspiração no passado de resistência e num presente de resiliência, assim seguimos ressignificando nossa história, nos mais diversos segmentos, o protagonismo é nosso e que o 20 de novembro seja de reflexão e de reafirmação da luta contra o racismo e todas as formas de preconceito e discriminação.