MENU

Identifique-se!

Se já é assinante informe seus dados de acesso abaixo para usufruir de seu plano de assinatura. Utilize o link "Lembrar Senha" caso tenha esquecido sua senha de acesso. Lembrar sua senha
Área do Assinante | Jornal Minuano | O jornal que Bagé gosta de ler

Ainda não assina o
Minuano On-line?

Diversos planos que se encaixam nas suas necessidades e possibilidades.
Clique abaixo, conheça nossos planos e aproveite as vantagens de ler o Minuano em qualquer lugar que você esteja, na cidade, no campo, na praia ou no exterior.
CONHEÇA OS PLANOS

Opinião

Encontros

Desde 2019, o Arquivo Público de Bagé, sob a direção de Cláudio de Leão Lemieszek, vem desenvolvendo o Projeto "Diálogos Históricos do Arquivo Público "(disponíveis nas redes sociais e YouTube), destinado a registrar vivências históricas dos bajeenses. Até o final do ano passado, foram reunidas mais de 40 entrevistas com as memórias de pessoas que contribuem para o conhecimento da História da Rainha da Fronteira. Professores, religiosos, operários, tradicionalistas, políticos, militares, enfim, todos aqueles que ajudam a montar o quebra-cabeças da trajetória histórica de Bagé. No mês de novembro, a senhora Terezinha Moglia, uma mulher incrível, à frente do seu tempo, prestou seu depoimento e autorizou a divulgação de fatos nunca antes revelados, que seguramente comporiam uma bela e emocionante novela integralmente baseada em fatos verdadeiros.

Em 19/03/2024 às 07:31h
Jaqueline Muza

por Jaqueline Muza

Encontros | Opinião | Jornal Minuano | O jornal que Bagé gosta de ler
Foto: Acervo do Arquivo Público

"Foi de palavras sussurradas, de insinuações veladas, por retalhos de informações que cheguei até ela...

De repente, aos 52 anos, senti uma compulsão inesperada e premente  que nunca se havia manifestado antes: a de conhecer minha mãe. Foi um momento muito forte e ansioso, como se eu estivesse à procura de uma peça que completasse o quebra-cabeças de minha vida, fragmentada por sucessivas ventanias...

Preciso revivê-las...

Tive uma infância feliz, cercada de atenções, carinho e conforto, o que, não evitou a sensação de que algo diferente acontecia, como o fato de não frequentar escolas, sempre às voltas com aulas particulares, e o eterno mistério da documentação escolar, certidão de nascimento, identidade, etc. Às vezes, ficava curiosa, mas havia como que um contrato mudo: nunca perguntei e nunca me explicaram.

Aos 16 anos, às vésperas do meu casamento foi que, ainda em função de necessária documentação, soube que não era filha daquele casal maravilhoso que me criara e cercara de tantos cuidados e  atenções. O choque foi grande, a revelação, dolorosa e pela  primeira vez, senti o gosto da tristeza e da perplexidade.  A realidade apresentava sua dura face e, me iniciava na  elaboração de uma couraça ao derredor de minhas emoções para que elas não me vencessem.

Então aqueles não eram meus pais? ...

A pergunta permaneceu latente em meu espírito e no meu coração e só parcialmente e de maneira muito sofrida, fui encontrando respostas às minhas intermináveis indagações..

Casei por amor e tive três lindos filhos. Ainda muito imatura, precisei enfrentar a poliomielite de meu filho mais velho, com sucessivas operações, viagens, instabilidades e esgotamentos. Foram momentos difíceis e, de novo, a cruel realidade aumentava a couraça em torno de mim. Com máscara de forte, representava o papel de mulher de vida normal quando, por dentro, sufocava meus anseios e protelava  responsabilidades, escorada sempre, em meus pais adotivos, aos quais coloquei como centro de minha vida ("erro absoluto de minha parte?").

Por essa ocasião encontrara uma das peças-chave para o mistério da minha existência: meu pai adotivo era, na verdade, meu próprio pai.

Soube que minha mãe verdadeira ainda existia, mas não me importava com o fato de não conhecê-la nem de nada saber a seu respeito, exceto seu nome. Soube também que, por parte de mãe, tinha três irmãs e um irmão que, por muito tempo, julguei fossem meus primos. 

O tempo passava e tudo parecia contribuir para que minha vida conjugal se fosse arruinando, seus alicerces enfraquecessem e, após dezessete anos, ruíssem completamente.

Surgiu uma nova situação: me apaixonei por outro, bem mais velho e, por azar, também casado e pai de quatro filhos. Para assumir nossa relação, desfez seu casamento. Tivemos uma filha, enfrentamos nossas famílias, filhos, pais, sociedade, situações aflitivas e percalços decorrentes da nossa união. Nos primeiros anos havia a força do amor a nos unir e a ajudar a superar os problemas que tão frequentemente surgiam. Após vinte anos de convivência, somadas as esparsas alegrias, manifestaram-se com mais intensidade, as angústias desgastantes, as decepções e as divergências. 

Ao cansaço, à consciência do transcorrer do tempo e aos ressentimentos, sobreveio a doença e morte de meu pai. Mais uma vez procurei mascarar meus sentimentos, não deixando transparecer minha tristeza. Tentei levar a vida num clima de superficialidade e irreverência. Tinha medo de olhar para trás meus caminhos tão confusos. Mas algo muito forte me dizia que precisava romper definitivamente as amarras, os bloqueios, e mergulhar fundo nas minhas realidades. De certa forma, o desaparecimento de meu pai não apenas facilitava esta minha busca  como me forçava a encontrar um elo vivo com o meu passado. 

Foi nesse estado de espírito que fui procurar minha mãe biológica, dividida entre o impulso de conhecê-la e a preocupação de não magoar minha mãe de criação. Junto com as duas meio- irmãs filhas de meu tio e irmão de minha mãe adotiva -, conscientes das circunstâncias que nos haviam separado, mas sem mágoas, partimos em busca da verdade. Com coragem, esperança forte desejo de obtermos respostas para os encontros e desencontros, para as alegrias e tristezas, ingredientes permanentes nesse cadinho de vidas. 

A estrada estendia-se cada vez mais. Era como se percorressemos em quilômetros nossas próprias idades e angústias. Pisei com firmeza no acelerador. Queria que o carro acompanhasse o ritmo do meu coração. O nosso silêncio falava bem alto e era entrecortado  pela avaliação daquela pessoa que fora privada da  convivência dos filhos, expulsa de casa quando o marido descobrira que tivera uma filha de seu proprio cunhado e que suportara tantos sofrimentos, num grande esforço para carregar a vida. 

A chuva fina e fria cessou. O arco-íris se fez presente. Chegamos. Início de uma nova experiência carregada da ansiedade do encontro de nossas raízes. O endereço era vago e foi necessário que batêssemos em diversas portas até encontrarmos nossa mãe. A emoção, indefinível, me fez emudecer. Lágrimas, risos, abraços e um choro incontido, aliados à surpresa do momento, seguiram-se de explicações. Tomei a palavra e, em nome das três, esclareci que não estávamos lá para julgar ninguém mas que buscavamos uma troca, um encontro, nada de cobranças, tudo de aproximação, de uma nova etapa em nossas vidas para que elas interligassem numa constante e contínua comunicação. Então, o que parecia difícil tornou-se ameno, possibilitando, além de passagens divertidas, uma completa abertura de corações. 

E, por causa desta abertura de corações, soube e senti que havia sido fruto de um grande amor...

A viagem de retorno, foi bem diferente. Não parava- mos de falar. Uma  alegria nervosa transbordava de todas nos relembrávamos  fatos, como o de termos conhecido mais uma irmã - a mais nova - e, mais do que nunca, sentíamo-nos unidas. 

Ao retomar minha caminhada, revivida minha origem, fiquei plenamente gratificada por haver concorrido para a reestruturação de uma mulher forte que soube enfrentar e superar adversidade, apesar da fragmentação de sua afetividade. 

Ao chegar e ao contar à minha mãe adotiva a experiência por mim vivida, fiquei com receio de que se magoasse. Mas, mais uma vez, mostrou a grandeza de sua generosidade e sua capacidade de amor e desprendimento ilimitados. Não só aceitou meu gesto, como compreendeu minhas intenções. Antes de ir para casa, naquele dia, dei-lhe o abraço mais consciente e profundamente carinhoso que jamais lhe havia dado.

Continuei a manter contato com minha mãe verdadeira que mostrou vontade de vir passar o Natal seguinte em nossa companhia. Novas expectativas e apreensões se criaram em relação aos três possíveis encontros: com o ex-marido e com o filho, aos quais não via há mais de cinquenta anos e, com minha mãe de criação.

Realmente eles aconteceram e mostraram que tudo é possível quando se quer derrubar barreiras e vencer obstáculos, com muita determinação e humildade. Foram três encontros com características próprias e interessantes: com o ex-marido, um reencontro de aceitação e perdão; com o filho, o encontro de emoção e ternura; com minha mãe adotiva, de temores superados e a certeza do amor não dividido, mas compartilhado.

{AD-READ-3}

É a esta mulher-amor, já que, não tendo gerado filhos, soube, como ninguém, ser uma verdadeira mãe que, neste momento, dirijo meu pensamento e rendo a minha homenagem.

Desnudei minha alma, minha vida, meus conflitos  e emoções com a sincera esperança de animar a alguém que esteja pensando em tomar uma atitude semelhante. Ninguém pode ocupar nossos espaços, assumir nossas responsabilidades nem viver nossas experiências. Foi o que fiz e... valeu a pena!"

Galeria de Imagens
Leia também em Opinião
PLANTÃO 24 HORAS

(53) 9931-9914

jornal@minuano.urcamp.edu.br
SETOR COMERCIAL

(53) 3242.7693

jornal@minuano.urcamp.edu.br
CENTRAL DO ASSINANTE

(53) 3241.6377

jornal@minuano.urcamp.edu.br