Opinião
Nepomuceno Saraiva em Bagé
por Redação JM
Em tempos de adolescência, os guris de ruas vizinhas se juntavam em “zonas”, verdadeiras confrarias de amigos e colegas. Tinham regras de fidelidade. Jogavam bola na rua, iam juntos à matinê do Avenida, discutiam o destino dos heróis dos seriados. Aceitavam os desafios de outros grupos para o futebol no meio da rua com bola de tênis. E brigavam, em encontros previamente marcados, com os membros de outras zonas, o medo era das soqueiras. O epicentro de nossa zona era a cruz formada pelas ruas Marcílio Dias e Bento Gonçalves. Os pontos cardiais eram o consultório do Dr. Camilo, numa esquina; a Farmácia Ferreira, defronte; a Coletoria Estadual noutra esquina e o palacete do Dr. Nicanor Peña Médici fechando o quadrado. Esse último prédio era de especial beleza arquitetônica e, nele, habitava o Dr. Nicanor, de tradicional família. Uma casa com soteia e pararraios. Ao lado o consultório do médico (oftalmolaringologista), responsável pelo primeiro transplante de córnea em Bagé.
Segundo a historiadora Elizabeth Macedo de Fagundes, quem construiu a edificação foi Manoel Figueiró, em março de 1912, e que, para tanto, teve de aterrar uma lagoa. Depois do Dr. Nicanor e ali por muito tempo, residiu a família do sr. Bernardino “Bolica” Barcellos (1958) e antes o sr. Serafim Gomes. Depois a família Krauser, de Pelotas, que ali instalou uma loja de departamentos. Hoje o imóvel pertence à JW Lopes, bem-sucedido conglomerado empresarial de José Walter Lopes e familiares.
Sucede, todavia, que a festejada pesquisadora pontuou mais uma descoberta a respeito do palacete: quem teve ingerência na construção foi Nepomuceno Saraiva, um dos filhos do caudilho Aparício Saravia. Nepomuceno, na biografia que escreveu sobre o pai, narra que a construção da casa lhe custou “$ 30.000 oro”, isso em 1912.
Como sabido, depois dos episódios de 1893, quando os irmãos Aparício e Gumersindo tiveram destacada atuação junto às tropas de Joca Tavares e outros federalistas, o primeiro, considerado o maior líder “blanco” no Uruguai meteu-se em algumas “Patriadas” nos anos de 1886 e 1897, ocasião em que arrendou uma chácara em Bagé, onde reunia e treinava suas tropas, chegando a alugar também uma casa nos altos da Rua Marcilio Dias, onde morou dona Cândida Diaz, sua esposa com outros filhos. Tive o ensejo, neste espaço, de relatar uma série de artigos sobre o assunto, inclusive sobre uma carta enviada pela esposa que Aparício não chegou a ler, pois ferido na batalha de Masoller, morrera na estância da família Pereira de Souza em 10 de setembro de 1909.
Nepomuceno conta em sua obra que tinha uma “carniceria”, onde chegava a abater 40 rezes por dia. Nepomuceno teve expressiva presença na refrega de 23, tendo deixado interessantes notas de alguns eventos que foram recolhidos pelo professor e historiador uruguaio Marcos Hernández Desplats na obra “Nepomuceno Saraiva na Revolução de 1923”, ora publicada por Martins Livreiro, e que terá autógrafos no próximo dia 14 de outubro, às 14,30 horas, seguidos de palestra do autor e dos historiadores Fausto José Domingues, Cláudio Leão Lemieszek e José Francisco Botelho.
Tudo no Palacete localizado na Rua Marcílio Dias, nº 1101, esquina Marcílio Dias, onde morara Nepomuceno Saraiva.