Candiota e Hulha Negra - 30 anos
Pampeano: da era de ouro das charqueadas a protagonista do desenvolvimento
por Melissa Louçan
Com tradição na indústria de transformação e agropecuária, antes mesmo da emancipação, Hulha Negra já orbitava praticamente em torno de uma única empresa que, em várias décadas de atuação, já passou por diversos proprietários. A antiga Charqueada Santo Antônio, mais tarde frigorífico Pampeano - atualmente pertencente ao grupo Marfrig - tem sua história intrinsecamente ligada ao desenvolvimento do município.
Antes mesmo do início da refrigeração para acondicionamento dos alimentos, o consumo de carne vermelha registrava grande demanda - entretanto, era abastecido, em grande parte, com produtos de charqueadas, em que a carne passava por um processo de salgamento para conservação.
Um dos maiores expoentes deste segmento era a Charqueada Santo Antônio, fundada em 1903 por José Francisco de Freitas e Emílio Guilayn, instalada à margem direita do Rio Negro. De acordo com o Inventário Cultural de Bagé, de Elizabeth Macedo de Fagundes, durante a década de 1920, o complexo passou a ser propriedade de Joaquim Magalhães - filho do Visconde Ribeiro de Magalhães, ele próprio fundador da Charqueada Santa Thereza.
Em 1937, a charqueada foi adquirida por José Gomes Filho junto a Floriano Bittencourt - sociedade que foi ampliada, um ano depois, com a entrada de Carlos Simões Pires, João Farinha e Nenê Medina. Dez anos após a compra, a sociedade deu início ao processo de migração para refrigeração - transformando a charqueada em frigorífico.
Esse período de transformação foi acompanhado por Venorley Fernandes, 80 anos, que ingressou no quadro de funcionários com pouco mais de 15 anos, em 1957. À época, o processo de refrigeração ainda não havia sido completamente estabelecido e o salgamento da carne ainda era alternativa de conservação. A responsabilidade do jovem Venorley era cuidar dos cavacos, retirando as partes miúdas de carne e levar para o salgamento.
Fernandes recorda que, na época, o posto mais cobiçado era de abatedor, por ser melhor remunerado. Ele chegou a alcançar o posto, passando a atuar no abate dos animais diariamente. “A gente chegava às 6h e começava o abate. Antes do meio-dia já tinha abatido 500 bois”, recorda.
Filho de tropeiro, com experiência no trato com animais, Fernandes diz que não teve dificuldades de adaptação ao trabalho - na época, a marreta ainda era utilizada para o abate dos animais. “Era um trabalho e tinha que ser feito”, define.
Sobre o abate, ele recorda alguns episódios interessantes, que presenciou, como o abate Kosher, realizado por um profissional vindo de Israel. A técnica, que consiste na degola do animal para garantir uma morte mais rápida e indolor, está de acordo com as leis judaicas de alimentação, denominadas Kashrut. “Na época, eles compravam só a parte dianteira do boi, até as costelas. Aí esse abatedores vinha para fazer o trabalho da maneira que era exigida pelas tradições deles e eu ajudava, segurando o animal”, recorda.
O aposentado permaneceu na posição até 1972 - um ano antes da venda do complexo para o Grupo Bordon, de São Paulo - quando saiu para trabalhar com operação de máquinas na construção da fase A da Candiota II. Mas ele recorda da época de seu primeiro emprego formal - do qual ainda guarda a carteira-ponto e fotografias - com orgulho e reconhecimento, principalmente por reconhecer a importância da empresa para a região. “Eu nunca mais trabalhei lá, depois fiquei muitos anos em Candiota. Mas todos os meus filhos, praticamente, trabalharam no frigorífico. O Pampeano é muito importante, nem sei o que seria de nós sem ele. Para muitos moradores daqui, é a única fonte de renda”, afirma.
Papel central no desenvolvimento
Os próprios números comprovam a importância do frigorífico para o município. Dados de 2020 indicam que, naquele ano, a empresa foi responsável por 89,98% da receita do município. A empresa, que alterou o nome de Frigorífico Santo Antônio para Pampeano em 1989, integra o grupo Marfig Global Foods desde 2007, empregando mais de 1,5 mil pessoas da região. Em 2021, a unidade registrou faturamento na ordem de R$ 800 milhões - com previsão de crescimento nos próximos anos.
Diretor de Operações do Marfrig na região Sul, Rui Mendonça Ramos destaca que, nos últimos anos, a empresa fez importantes investimentos na unidade que atualmente produz em torno de 40 mil toneladas/ano de vários produtos premium processados de carne, em diversos tipos de embalagens, exportando para aproximadamente 50 países e tendo como mercado principais os países da Europa e da América do Norte.
“Nossa empresa está em operação há mais de 30 anos em Hulha Negra e está completamente inserida na comunidade, com estreita relação com os poderes executivo e legislativo do município, sendo que acompanhamos de perto a grande evolução da cidade nesses anos. É importante parabenizarmos Hulha Negra por mais um aniversário”, destaca Mendonça.