Delírio matutino
Em mais um episódio de leve mania matinal, inebriada pela perfeição de uma manhã silenciosa – regada a café, cigarro e um bom jazz -, meus dedos inquietos recorrem ao papel pra te contar uma grande novidade: virei escritora!
Sabe, doutor, a vida inteira fui atormentada por essa sensação de estar fora do lugar. Como se a realidade fosse um teatro mal ensaiado, onde todos seguem o roteiro, menos eu. Confesso que, nos últimos anos, vivi como quem observa o mundo de fora, sem fazer parte dele. Cheguei a acreditar que era louca. Mas hoje vejo que não. Ou melhor, talvez sim, mas minha loucura tem remédio – e o remédio é a escrita.
Descobri que o escritor é uma espécie de louco domado. Enquanto o louco comum se perde em labirintos mentais, o escritor constrói esses labirintos conscientemente, sabendo que, ao final, sempre vai encontrar saída — ou, se não encontrar, vai inventar uma.
Quando eu escrevo, algo mágico acontece: minhas inquietações, devaneios e angústias se moldam, ganham contorno. O que antes era caos dentro de mim, um turbilhão sem forma, de repente se organiza.
Não me entenda mal, doutor, não é que tudo faça sentido — e a vida nem precisa fazer sentido pra ser vivida — mas é que, ao virar palavra, o indizível se transforma.
Tantas vezes me perguntei por que me sentia sempre à beira de um precipício invisível. Agora sei: era porque, até então, eu não escrevia. A loucura — se é que ainda posso chamá-la assim — é o que me faz escrever. E, sendo escritora, a loucura já não é uma doença, mas a matéria-prima do meu trabalho.
Acordo todos os dias com o mesmo desconforto de antes, a mesma angústia sem nome, mas agora sei o que fazer com isso.
Escrevo.
E ao escrever, transformo o desespero em palavra, a palavra em sentido, e o sentido — esse, que tanto me escapa na vida — finalmente se torna tangível.
{AD-READ-3}Sigo, então, escrevendo. E, escrevendo, vou me curando.
Da sua louca mais lúcida