O Potreiro
Em uma manhã Sebastião cavava um buraco no meio do campo, com intuito de fazer um potreiro, para abrigar o gado. No meio do nada, apenas seu cusco o acompanhava, era um galgo, muito típico da campanha e das lidas gaúchas. Em meio ao som dos quero-quero, Sebastião continuava a cavar e colocar os mourãos nos buracos. Sebastião era homem do campo, que, vivia em seu sitio e criava alguns bois para o seu sustento.
De repente, seu cusco, acostumado com movimentos, se desacorçoou e saiu em direção das casa. Sebastião não entendeu, pois seu galgo não era de se assustar e sempre o acompanhava. Vindo de longe avistou um sujeito, que parecia ser um peão de estância. O peão vestia-se botas de garrão de potro, chiripá, sendo que suas bombachas eram largas e seu chapéu com barbicacho, onde segurava-se no queixo. Era um peão negro com aparência muito pálida.
Sebastião então pensou: Mas de onde vem este vivente no meio deste campo? Apesar disso, Sebastião não deu muita atenção, afinal ele poderia estar só de passagem por ali. Ao olhar novamente ele já estava muito próximo e assim começaram a prosear. Sebastião estranhou, e bruscamente jogou-se um pouco para trás. Ao olhar o peão, continuou a cavar e começaram uma prosa.
Ele olhou Sebastião e o cumprimentou, dizendo: - Buenas. Enquanto ele conversava Sebastião cavava mais um buraco. O peão então disse – Sei mui de gado...
Sebastião, então admira-se e responde - Ah é?!
Nesse momento, Sebastião para de cavar e se apoia na pá para conversar com o peão. Ao chegar mais perto o peão diz: – Em tormenta eles vão pra perto do cercado.
Sebastião, sorrindo responde – É eles ficam acorçoados por que sabem quando relampeia cruzado...
Do seu bolso ele tira uma cigarrilha e começa a fumar e oferece um cigarro para o peão, que não aceita. Sebastião concorda afirmando: - Bem que faz, sina triste essa, mas serve pra acalmar os nervos.
Então o peão pergunta: - Mas tu estas aqui a cavar para ganhar dinheiro?
Sebastião afirma - Ah sim, se o Patrão Velho quiser, quero ganhar uns trocados, vou construir esse potreiro, alambrar e engordar os novilhos, para tentar forrar a cartucheira.
Mas o peão não falava sobre isso, e sim uma outra forma de ganhar dinheiro, onde novamente afirma: - Ganharas muita plata aqui.
Convicto Sebastião interpela - Sim, aqui vai ser mais um palanque, mas já lhe disse que estou alambrando o cercado para construir um potreiro.
Nisso o peão afirma - Mas estas cavando errado.
Sebastião - Mas por que o amigo diz isso e ainda não me falasse de onde veio?
- Vim de longe lá da Estância dos Três Ventos, responde o peão.
Sebastião então afirma desconfiado: – Mas essa estância é mui antiga e fica há mais de 80 léguas daqui, deve estar cansado o amigo. Meu avó era dono desta estância, mas vendeu, caiu em desgraça e perdeu o que tinha.
Sebastião – Mas como se chamas o amigo?
Peão - Meu nome é Lorenço, trabalhei com Luis Fernandes, conhece?
Sebastião - Não, não sei de quem falas, mas este é meu sobrenome, me chamo Sebastião Fernandes.
Peão - Eu sei, trabalhei com o pai de Constante Fernandes.
Então com semblante de pavor Sebastião começa a ficar incomodado:
- Mas esse foi meu avô
- Eu sei e por isso estou aqui, responde o peão.
Sebastião – O amigo deve estar de brincadeira, como trabalhou com meu bisavô?
O peão não responde, deixando ele sem palavras, mas segue a conversa afirmando: – Há muito ouro nestas terras.
Então Sebastião cada vez mais perdido responde – Como sabe disso?
Peão - Eu o enterrei há muito tempo, quando a escravidão ainda era lei. Lembro que era uma tarde e seu bisavô, seu Luis Fernandes me trouxe aqui.
Em 1862, exatamente no dia do enterro do ouro. Luis Fernandes bisavô de Sebastião, vai junto com seu peão Lorenço e no meio do campo, então manda Lorenço cavar um buraco, e logo após enterra o ouro.
Luis Fernandes começa a olhar para os lados, enquanto Lorenço coloca a terra por cima do saco de ouro, e apenas diz: – Já estou acabando patrão. Enquanto Lorenço coloca a última pá de terra, o bisavô de Sebastião diz: – Então está acabado, e minha plata bem guardada.
Após Luis Fernandes, falar isso Lorenço abre os olhos arregalado e sente o desfeixo mortal. Luis Fernandes saca seu revólver e atira em Lorenço pelas costas.
No meio do campo um silêncio se desfaz com um tiro a queima roupa.
Luis Fernandes empurra o corpo de Lorenço no buraco junto com o ouro e completa: - Agora tu vai cuidar de minha fortuna lacaio.
Depois de contar sua história, o peão Lourenço diz a Sebastião: - E assim estou aqui e quero te mostrar o ouro enterrado nestas terras e minha missão estará consumada. Venha amanhã no meio dia, e sozinho, se não quiseres meu fardo vai acabar, um dia quando as moedas estiverem sob o chão. O Peão vira-se de costas e caminha em meio ao campo, e em uma distância não muito longa, simplesmente desaparece.
Sebastião, larga a pá e rapidamente vai em direção a casa no sitio.
Ao chegar vê sua esposa e tenta falar mas não consegue. Sem dar muita atenção a esposa, ele corre para as fotos antigas da estância, que estão em um bidê antigo no galpão.
Ao abrir as fotos de antigamente de seu avô, nela existe uma foto dos criados, onde o Lorenço está presente nela. Atrás da foto está escrito dezembro de 1862.
No outro dia Sebastião volta ao local, apenas para retirar uma parte, já feita do cercado.
Sebastião olhando a foto novamente diz: Não haverá mais potreiro... Neste momento aparece Lorenço no meio do campo, onde desaparece no horizonte ensolarado.
Na época da escravidão no Brasil, os negros escravos que vieram para o Rio Grande do Sul, trabalhavam nas estâncias desenvolvendo toda mão de obra campeira. Muitos estancieiros, temendo que sua fortuna fosse saqueada, enterravam quantias de moedas. Ao escolher um lugar, levavam consigo apenas um peão escravo, que logo após enterrar a fortuna, tinha sua vida ceifada, para que ninguém soubesse o determinado local que as moedas foram enterradas.
{AD-READ-3}E assim, em cada potreiro uma vida era silenciada...
Nota: o potreiro era um negociante de potros ou de gado, que tinha um pequeno campo fechado, com pasto e água, destinado a recolher, podendo ser pernoite de tropas ou boiadas em trânsito. Esse conto é uma ficção qualquer semelhança é mera coincidência.