Lanceiros Negros: Um sonho de liberdade
Os Lanceiros Negros foi um grupo de escravos que participou da Guerra dos Farrapos, com a condição de lutarem como soldados. Existiram dois corpos de exército de lanceiros, onde carregavam uma braçadeira vermelha, simbolizando a república rio-grandense.
Durante dez anos, combateram ao lado dos farrapos e contra as tropas imperiais. Possuíam 8 companhias e cerca de 51 homens cada, totalizando mais de 400 lanceiros que andavam montados em seus cavalos e armados com lanças compridas.
Tornou-se célebre o 1.º Corpo de Lanceiros Negros organizado e instruído em 1836, inicialmente, pelo coronel Joaquim Pedro, compadre do general Netto e antigo capitão do Exército Imperial. Ajudou, nesta tarefa, o major Joaquim Teixeira Nunes, o Gavião, veterano e com ação destacada na Guerra Cisplatina. Este bravo, à frente deste Corpo de Lanceiros Negros, libertos, prestaria relevantes serviços militares à República Rio-Grandense.
Formado por homens escravizados, os Lanceiros Negros lutaram ao lado do exército Farroupilha contra o Império, com a promessa de liberdade ao fim do conflito.
Os Lanceiros Negros foram importantes em diversas batalhas dos farrapos frente aos imperiais, onde eram em sua maioria comandados por Teixeira Nunes. Eles eram escravos negros dos próprios estanceiros e trabalhavam nas lidas campeiras. Para poder manter seus contingentes de soldados, numa guerra que se prolongava, os farrapos passaram a recrutar os escravos, aos quais ofereçam liberdade em troca do serviço militar.
Com essa promessa da liberdade se apresentaram em sua maioria, prontamente aos seus patrões. Durante 10 anos esse foi o seu maior sonho, ou seja tornar-se livre.
O recrutamento dos trabalhadores escravizados ocorreu possivelmente entre negros campeiros, e também entre outros, das Serras de Tapes e do Herval (Canguçu, Piratini, Caçapava, Encruzilhada e Arroio Grande).
Muitos estancieiros, na tentativa de se livrarem, bem como a seus filhos, do recrutamento, terminavam por liberar em seu lugar, seus escravos negros para substituí-los.
Eram assim denominados por carregarem uma lança de madeira de três metros de comprimento, atuando na “linha de frente”. Combatiam tanto a pé como a cavalo, fazendo, segundo o relato de Garibaldi, enorme gritaria.
Os que sabiam ler e escrever eram destinados à artilharia – a educação e os bens. Os negros mais ágeis eram arrolados no Corpo de Lanceiros de primeira linha, a cavalaria, enquanto que os demais ingressavam na infantaria. O 2º. Corpo de Lanceiros foi formado em 31 de agosto de 1838 e contava com 426 combatentes. Nos dois corpos de lanceiros negros os oficiais eram brancos.
Os Lanceiros Negros foram importantes na Guerra dos Farrapos, mas o que é mais lembrado é a chamada Batalha de Porongos, que seria na realidade o “Massacre de Porongos”.
No acampamento montado, próximo a Piratini, hoje Pinheiro Machado, na metade-sul da Província, local conhecido como Cerro de Porongos, soldados brancos, índios e negros, estavam sob o comando do general David Canabarro, onde deveriam passar mais uma noite, pois já existia a promessa de paz entre farrapos e imperiais.
Os negros haviam sido, suspeitamente, desarmados sob a alegação de que a guerra já estava em seus momentos finais. O comandante não preocupou-se, como de hábito em uma guerra, em deixar vigilantes estrategicamente posicionados para a proteção do acampamento.
Então, na madrugada de 14 de novembro de 1844, quando um toque de corneta ordenou o início do ataque sobre o desprotegido acampamento. Mais de mil soldados imperiais, sob o comando do Coronel Francisco Pedro de Abreu, o Chico Pedro, também conhecido como “Moríngue”, atacam o acampamento republicano. O general farroupilha David Canabarro foge a cavalo, mas os combatentes negros, desarmados, são violentamente exterminados.
O saldo desse ataque foi a prisão de 280 homens de infantaria e 100 soldados negros massacrados, ou seja, quase a totalidade dos soldados negros presentes naquele acampamento. Conforme anotou Flores, em 4.2.1845, o barão de Caxias informava ao ministro da guerra, Jerônimo Francisco Coelho, que Canabarro havia prometido mandar entregar todos os escravos que ainda conservavam armas.
O próprio Bento Gonçalves criticou os acontecimentos de Porongos, onde em um trecho ele diz: “Foi com a maior dor que recebi a notícia da surpresa que sofreram o dia 14 deste”.
Sobre a culpa de Davi Canabarro que teria traído os Lanceiros, existiria uma carta que combina os acontecimentos com Caxias para o massacre de Porongos, nela dizia em um trecho que poupasse sangue de gente branca. Canabarro morreu negando a traição. Existe uma vertente histórica que nega esses acontecimentos, e outra que afirma veemente a traição.
Os soldados negros que sobreviveram, foram aprisionados pelo Império e seguiram para o Rio de Janeiro. Poucos conseguiriam escapar, e possivelmente juntaram-se ao General Neto, que partiu para o Uruguai.
Porongos, durante muito tempo, permaneceu um assunto intocado, pois, implicaria na mudança da visão dos personagens de Canabarro e Caxias na história oficial, mas também por termos uma revisão histórica da Revolução Farroupilha.
O grupo dos Lanceiros Negros foram reconhecidos por sua bravura sendo, oficialmente incluído no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria, também conhecido como Livro de Aço, através da Lei federal Nº 14.795, de 5 de janeiro de 2024.
Neste ano, em que iniciamos o calendário nacional da Consciência Negra, lembramo-nos a bravura dos Lanceiros Negros que almejaram um sonho de liberdade, muito antes da abolição da escravidão no Brasil.
{AD-READ-3}Referências:
ALMEIDA, Jerri Roberto. Heróis de Papel, 2007
FLORES, Moacyr. História do Rio Grande do Sul, 1985