Canto e Lamento de um Desabrigado
As águas levaram tudo
que puderam encontrar.
Se eu chorar as minhas mágoas,
o Guaíba vira mar.
Era uma casa modesta
de janelas com postigo.
Para um pássaro sem ninho,
sempre haverá um abrigo.
Coisas nossas lá se foram,
água solta e ventania.
Retratos do casamento
e comunhão da guria.
O barro deitou na cama
em nome da correnteza.
E a lama foi subindo,
serviu os pratos na mesa.
A vizinhança era boa,
compadres de estimação.
Churrasco, de vez em quando,
fim da tarde, o chimarrão.
O meu cachorro, Chimango,
sabe Deus por onde anda.
Se ouço o latido de um cusco,
me dá um nó na garganta.
As águas levaram tudo
que puderam encontrar.
Se eu chorar as minhas mágoas
o Guaíba vira mar.
Se vieram ás águas da enchente
se foi tudo de roldão,
sobrados, ranchos e igrejas
postas de joelhos no chão.
Para uns o fim do mundo,
para outros, o calvário.
Entre avalanches e escombro,
um Brasil mais solidário.
O tempo nos ensinou
que tudo tem sua medida.
Que na luta de vida e morte
quem sempre vence é a vida.
As águas levaram tudo
que puderam encontrar.
Se eu chorar as minhas mágoas,
o Guaíba vira mar.