Encontro marcado
Foi num verão, quando eu era apenas um menino. Não recordo se tinha sete ou oito anos quando a conheci. Muito de longe avistei sua silhueta esguia e branca, enigmática e sagaz.
Aos poucos, reunindo coragem, como um ladrão que se esgueira à espreita do objeto do desejo, fui me aproximando e pude contemplar toda sua beleza de esfinge. Somente depois dos dez anos reuni forças para dirigir-lhe um poema. Respondeu-me laconicamente que voltasse a procurá-la em alguns anos e assim o fiz. Iniciamos uma espécie de namoro adolescente, febril e ininterrupto; recheado de promessas e juras de entendimento e amor eterno. Ela não cedeu facilmente e me entregou seu beijo alguns anos depois, lento, quente e demorado. Um hálito de rosas inebriante e terno, inconfundível. Ela dizia que não devíamos prosseguir, pois havia a diferença de idade, que eu deveria conhecer a vida, sentir o mundo. A mim só importava sua presença, mas ela me escorraçou como um cão sarnoso.
Mantivemos contato quase que diário, ao menos semanal durante esse tempo, dos meus 13 aos 19 anos. Mas uma coisa puxa a outra e somente se esquece um grande amor com outro. Sucedem-se as idiossincrasias da vida, os dias viram meses, que se tornam anos, vem os filhos, nascem netos. A lembrança permaneceu, mas não nos comunicamos por muito tempo.
Assim que numa bela manhã de setembro recebo uma carta. Nem sabia que ainda se escreviam cartas. Abri e reconheci sua letra firme, inconfundível e um grande arrepio percorreu minha coluna vertebral. À medida em que lia, ia entendendo sua intenção de retomada, sua necessidade de contato. Inicialmente tímida, perguntava se eu havia vivido, se tinha feito coisas, ou apenas passara pela vida. Cobrava meu perdão e explicava que não havia sido falta de amor, pelo contrário, amor em demasia o que causara sua recusa. Que naquele arroubo de juventude não seria o momento de consumarmos nossa paixão. Pedia ao final, que lhe respondesse e assim o fiz.
A carta que lhe enviei e reescrevi várias vezes dizia o quanto havia custado nosso afastamento. Que nosso envolvimento nunca fora esquecido e que seus beijos ainda sabiam, olor a rosas, nos recônditos de meu coração. Que estava pronto a retomar nosso convívio e ansiava por encontrá-la e reviver o passado.
A carta de resposta não demorou a chegar e ela, mesmo havendo retomado o contato, como toda fêmea que se preza, ditou as regras de nossa aproximação. Não ficaria bem a dois velhos reviver uma feroz paixão adolescente. Iriamos escrever reiteradamente um ao outro. Voltaríamos a nos conhecer e estudar. Perscrutaríamos nossos conscientes e subconscientes até revolver e entender nossos sentimentos. Nos encontraríamos quando estivéssemos prontos, entendedores das consequências do que iríamos assumir. Minha família teria que entender minha escolha, ou não. E eu já me sentia pronto.
Então, novamente, ela toma uma decisão inesperada: não seria eu o protagonista de nosso encontro. Ela decidiria quando e onde. Mais uma vez me vi escravo de seu capricho. Tornei a me ver cativo da saudade do seu beijo. E sendo assim, aguardo sua presença, anseio por seus lábios doces de meus sonhos de rapaz. Mais uma vez aguardarei, minha senhora, minha Morte!