O Hino Rio-Grandense nas partituras do tempo: parecer conclusivo
1. Os deuses dão gargalhadas quando alguém se diz detentor da verdade absoluta. Sigo as trilhas da história para ser ponderado, os radicais levam bombas na mochila. Se alguma palavra conclui meu parecer, seria: “ou não”.
2. Quanto à melodia, a qual sentem acordes de música erudita, é obra de um imperial, e não farrapo, chamado Joaquim José de Mendanha, prisioneiro em Rio Pardo. Sensibilizado pela sonoridade da banda prisioneira, Antônio de Souza Netto convida o regente mineiro para compor o hino farrapo. Isso lá por volta do ano de 1838.
3. A letra é uma novela, seu autor, Francisco Pinto da Fontoura, poeta e, ao que consta, homem simples, tinha por apelido Chiquinho da Vovó. Imaginem um homem com essa alcunha estar envolvido em recusas étnicas. Penso que apenas desejava escrever versos em louvor à bravura e aos ditos cujos centauros do pampa.
4. E esse hino veio abrindo solenidades, cantado por crianças nas escolas, interpretado por nossos melhores cantores, até chegar à dramática recusa de teor partidário, embora não creia que o Partido dos Trabalhadores – onde tenho amigos brilhantes – aceite de primeira essa versão de que o pão do hino tenha sido fermentado pelo ódio.
5. Esta discussão já tem calo nos pés e desafina ao ser entoada. E assim silencio, em busca de um ponto final, saudando o maestro mineiro Mendanha, que terminou cantando pelos bailarecos da noite de Porto Alegre, ao poeta-letrista Chiquinho da Vovó, que não sei que fim levou. E a todos que cantaram com fervor e despidos de ira o hino desta terra que pode ser destinada ao encontro, e não a frívolos combates.
Estudei para escrever “A Revolução Farroupilha", ilustração do mestre Danúbio Gonçalves, hoje em 4ª edição. Controversa é a questão dos “lanceiros negros” e sua chacina. Porém, encontrar racismo no hino Rio-Grandense força a barra, pois não existe referência à etnia. O que existe, visível e ostensivo, é a condenação à condição de escravos a quem não lutar por sua liberdade, no caso, a opressão do Império sobre o Rio Grande.
A distorção do entendimento "hino racista” me parece precipitada, afoita, precária. Os personagens de 35 não eram absolutistas, mas, por respirarem os ares libertários que vinham da Revolução Francesa e a ótica federalista da independência americana, seriam incompatíveis com a ostensiva posição escravagista. Pense em Giuseppe Garibaldi, Tito Livio Zambeccari, Luigi Rossetti, teremos um ideário bem avançado para a época. A letra do hino, a quarta letra, se não me engano, era de exaltação à coragem, e não uma pejoração dos afrodescendentes.