As árvores da liberdade
Depois de décadas convivendo com as plantas, diz Stefano Mancuso, "tenho a impressão de sentir a presença delas não apenas em todo o planeta, mas também na história de cada um de nós”.
Stefano é italiano de Catanzaro, formado pela Universidade de Florença, fundador de um laboratório dedicado à neurobiologia vegetal que explora a sinalização e comunicação entre plantas em todos os níveis de organização biológica, ainda participante da criação de uma “planta robótica”. Autor de vários livros sobre vegetais, em 2018 ganhou o Prêmio Galileo pela publicação de “Revolução das Plantas”, Editora Ubu, 2019. Atualmente é professor do Departamento de Ciência e Tecnologia Agrária, Alimentar, Ambiental e Florestal, da Universidade de Florença. O afeto do articulista pelos textos decorre de anterior exercício no magistério como professor de Botânica, disciplina que, outrora, enfeitava um ano inteiro do curso colegial. Muitas ex-alunas ainda se recordam das tarefas de classificação das folhas em cartazes de cartolina, das aulas sobre parênquimas e fotossíntese, pistilos e angiospermas, ou o livro do professor Alarich Schultz, além das “sebentas” mimeografadas com que as buscava iluminar sobre outro mundo. Ou quando docente do recém fundado Curso de Ciências Biológicas da universidade local. Recorda-se, ainda, das primeiras lições sobre as “plantas carnívoras”.
Pois Mancuso conta que, nos sábados de manhã, frequentava as bancas e “sebos” no Mercado George Brassens, em Paris. Era um bibliófilo fanático. Tanto remexia e examinava as pilhas disformes à procura de determinado livro que chamou a atenção de um senhor idoso e alto, com capa de chuva, “Henri Gerard, professor de História”, então curioso, mas também fã da edição, surpreendido com a insistência e fidelidade de Stefano em encontrar a obra chamada “Ensaio histórico e patriótico sobre as árvores da liberdade”, de um tal Grégoire.
Quando o livrinho foi achado, vitorioso, o italiano revelou que o mesmo era de Henri Grégoire, “o padre cidadão”, o abade Grégoire, personagem da Revolução Francesa, datado de 1794 e cuidava de “misteriosas árvores chamadas de liberdade”. O professor examinou a publicação rapidamente, e logo convidou Stefano a visita-lo e conhecer sua biblioteca que se revelou extraordinária. Ficaram amigos e a cultura admirável do mestre muito serviu para o engrandecimento intelectual do jovem pesquisador.
Encurto a narrativa. As árvores eram reais e não metáforas. É que, durante a Revolução, foram plantadas em todos os lugares habitados da França, desde as menores vilas à capital como “símbolo intangível dos ideais revolucionários”. Antes idêntico fato ocorrera na Revolução Americana e na reação contra a Lei do Selo. Em Boston, 1765, uma multidão de colonos pendurou um fantoche de Andrew Olivier, comerciante que representava o Rei Jorge III, num grande olmo. Esse desafio, dez anos depois, levaria à Revolução. O olmo ficou conhecido como “The Liberty Tree” e debaixo dele se festejou a revogação da lei, tornando símbolo da resistência contra os ingleses, tendo sido ceifado em 1776 no início da guerra e transformado em lenha pelos monarquistas bostonianos. O olmo, foi, assim a primeira árvore da liberdade. Na França, Norbert Pressac, pároco de Saint-Gaudens, departamento de Vienne, em maio de 1790, mandou “arrancar um lindo carvalho da floresta e transportá-lo para a praça da vila”, onde homens e mulheres o plantaram, exortando a multidão, clamando que “ao pé desta árvore cada um lembrará que é francês”.
Logo as plantas se espalharam pelo país, embora, por carência, nem sempre o fizessem com a árvore apropriada. Todos queriam, em casa, uma árvore de liberdade. Mais tarde a Convenção baixou um decreto segundo o qual “ em todos os municípios da República onde a árvore da liberdade perecer, uma nova será plantada de hoje até o fim da primavera. O plantio e a manutenção de cada uma delas serão confiados aos cuidados dos cidadãos de bem, para que em cada município a árvore da liberdade floresça sobre a égide da liberdade francesa”. Uma árvore morta não pode ser o símbolo de uma revolução eterna. A natureza moribunda ou morta deve ser apenas o emblema do despotismo, dizia a mensagem.
(continua).