A chácara de Aparício Saravia
Washington Abadie, biógrafo do líder uruguaio Aparício Saravia, narra que depois das gestões diplomáticas do amigo Abelardo Márquez perante autoridades diplomáticas brasileiras, o líder uruguaio adquire “ a chácara Gentil, em Piraí, perto de Bagé, que seria a residência dos irmãos Saravia, de seus filhos, e alguns companheiros”, tendo ele ainda comprado “um campo de doma, com a finalidade de ter prontos bons cavalos para as ações bélicas futuras”.
Ali, segundo dito por Nepomuceno, irmão de Aparício, “as condições de vida eram relativamente duras para os 60 homens que habitavam a chácara. Existia uma formidável invasão de gafanhotos”, e que “matavam os insetos, inclusive o General, que nos pagava um mil réis diários”, e que passaram privações, suportando uma grande pobreza, sendo ajudados pelo dinheiro de Juan Munõz, eis que os bens deles no Uruguai estavam confiscados. Ante tais informações, durante a série de textos que se publicou neste jornal, tratou-se de examinar, tanto no álbum imobiliário oficial, como através de pessoas conhecidas que habitam aquele distrito deste município, melhores dados sobre a exata localização destes imóveis, também referidos até como lugar em que parte das tropas “blancas” ensaiavam estratégias para futuros combates. Não se obteve progresso nas pesquisas, inclusive com outros proprietários na região e até com descendentes da família Saravia.
Os fados, todavia, estavam atentos. Costumo insistir que a história, e principalmente a memória de um lugar, de uma família ou de algum episódio significativo, não se resume, exclusivamente, a um estudo específico de algum pesquisador, mas que se pode desvelar circunstâncias também históricas relevantes em obra de outra natureza, mesmo literária.
Relendo “As Estâncias contam a História”, da culta conterrânea Yara Maria Botelho Vieira e do uruguaianense Carlos Fonttes, surge nova luz. Cuida-se de publicação que tem assento no “Pró-memória Histórica das Propriedades Rurais de Bagé” e que intenta, como óbvio, um levantamento das estâncias locais, similar ao que Fonttes, artista plástico e escritor, já fizera em seu solo natal. No 1º volume da coleção, que se conclama a continuar por seu encanto e importância, são relacionadas 45 propriedades, com suas origens, donos, peculiaridades, situação geográfica- seguramente uma eficiente investigação feita por Yara – textos ilustrados, a bico de pena, pelo talento de Carlos Fonttes.
Entre elas está a Estância Rincão de São Joaquim, estrada da Serrilhada, região conhecida por “Sanga da Orqueta”, distante 45 quilômetros de Bagé e 5 km do Uruguai, acesso pelo corredor Batalha-São Luiz (Rincão dos Pereiras). A fazenda pertenceu a Prudêncio Ferraz, de família com muitos irmãos. Fora mascate, tropeiro, comprador de gado, amigo de caudilhos e estancieiro, antes também no Uruguai. Teve até sua morte 3.600 hectares. Foi sucedido por sua filha Adelaide Ferraz Anversa, casada com Carlos Valentim Anversa, casal de ampla participação comunitária, com quem convivi no Lions. Dona Adelaide, vinculada bastante aos acontecimentos sociais e culturais, junto com Carlos, proprietário de importante companhia de transporte citadino (ônibus), introduziram, na região, o gado charolês e Canchin, e desenvolveram bastante ali a exploração pecuária.
Diz o trecho basilar da obra sobre Prudêncio: “Em suas andanças pela fronteira conheceu Aparício Saraiva, do qual se tornou compadre ao ser padrinho de batismo de Aparicito Saraiva, conviveu amiúde com a família Saraiva, pois, essa possuía uma chácara nos arredores de Bagé, para onde se dirigia, quando a situação apertava no Uruguai, conforme relata John Chasteen em Fronteira Rebelde. “
Eis, portanto, outro e precioso vestígio histórico, um rastro que, espera-se, há de concluir resposta à indagação que ainda busca conformidade.