O alumbramento da estrela
Surge de repente quando cada qual está voltado para seu drama. Ninguém está atento para o lampejo inesperado. A maioria está distraída pensando na chuva que não vem, no calor que abate. No quilo do boi vivo. O preço da gasolina. Na saca de arroz. No soslaio dela, prometendo. Ou na decepção do engano. O que quero dizer é que transcorria uma normalidade enfadonha, tudo em seu lugar, graças a Deus, cantava o Benito no show do Militão. No silêncio distraído de cada um e de inopino uma explosão, como se fosse o estouro da via láctea, e espargisse centelhas de ouro fino cobrindo as nuvens. Logo todos se voltaram para o nascente em busca do fenômeno. E como se abrissem as portas da apoteose, como se anunciasse o novo dia, surgia a Estrela D’Alva, àquela que os geógrafos dizem ser o último astro que aparece antes do sol nascer. É a estrela que anuncia o novo dia. Ela no panteão dos deuses é Vênus. E se desloca sempre numa carruagem de madrepérola, puxada por cisnes. Deusa da beleza e do amor, também usa o nome de Afrodite. Filha de Júpiter e Dione. Agora uma inconfidência, porque ninguém é de ferro: Vênus é esposa do valente e fórte Vulcano, mas dá seus pulinhos também com o bravo Marte, mas enfim isso pode ser diz-que-diz de alguns filósofos invejosos e incapazes de conquistar um troféu tão relevante. E para desespero de outros a Estrela D’Alva é referida na Bíblia, quando São Pedro, que falhou na marcação dos soldados que vieram prender o Senhor, depois de perdoado vem almejar que cada um tenha temperança e paciência “ até que desponte a Estrela D’Alva em nossos corações” (2P. I,19).
Pois, amigos, já notaram que estou a falar das alegrias que o Guarany Futebol Clube, o centenário clube que se abriga no seio da Estrela D’Alva proporcionou a seus adeptos nestes últimos meses. A cidade de Bagé dificilmente interrompe seus misteres, seduzida por algum evento que faz concentrar todos os humores num objetivo único. Ou seja, momentos em que, sem exceção, a atenção geral se dirige apenas a determinado assunto. Época em que as pessoas, aqui e ali decepcionadas antes, ao menos cessam sua atividade para comentar, aplaudir ou até invectivar contra. Em que as conversas de café ou bar pontuam matéria única. Em que um único tema é o destino a que convergem críticas e elogios. Ou seja, nos últimos dias, mercê da corajosa e até surpreendente campanha da equipe alvirrubro, ressuscitaram as camisetas alvirrubras, bandeiras eram espanadas nos momentos festivos. O estádio, sacudindo sua longevidade, tomou formas de uma arena moderna. Os impropérios que muitos sufocaram durante anos romperam as barreiras do grito feliz. Pessoas que haviam abandonado os velhos degraus das arquibancadas ali se acotovelavam, abraçadas na emoção de cada gol. Erigiu-se em unânime conduta os que optaram em esquecer o amor por clubes da capital para vestir a jaqueta da bajeensidade.
E mais. O nome do Guarany, numa demonstração de unidade sentimental, incorporou a seu “sobrenome” a expressão “de Bagé”. Assim passou a ser conhecido, doravante: “Guarany de Bagé”, assim o batizaram jornais e rádios de outros locais. E assim continua a ser lembrado em referências atuais. Foi uma campanha memorável, surpreendente, que dá esperança de um porvir também venturoso. Eletrizou os bajeenses de todos os cantos. E o grupo dirigente, com um Tato midiático à frente, deu a todos muitas esperanças que essa união carnal há de sobreviver, para honra dos bicampeões estaduais e daqueles que choraram derrotas mas preservaram a inteireza do pavilhão costurado pelas mãos de dona Filomena Perez, enquanto os guris fundadores tocavam suas violas na Praça da Matriz.