Bagé e o Tribunal da Relação
O Brasil foi português desde 1500, mas o Rio Grande do Sul apenas o foi duzentos anos depois, proclama Loiva Otero Félix, historiadora do Projeto Memória que se transformaria no Memorial do Tribunal de Justiça do Estado. Isso porque houve uma incorporação tardia do RS ao território brasileiro e “à custa de lutas de fronteira”. A região permaneceu, como se sabe, longo tempo inexplorada nos séculos XVI e XVII, por não despertar interesses econômicos para Portugal, eis que “terra de ninguém”.
Como afirma a saudosa pesquisadora, a ocupação se fez, basicamente, no século XVIII, movida por duas ordens de interesses: o econômico devido ao tropeirismo por parte dos paulistas e lagunenses; e de defesa da fronteira, por parte dos lusitanos. A ocupação de alguns pontos da vasta região dos Pampas trouxe, como consequência, o exercício da Justiça portuguesa em terras do sul. O ano de 1737 é o da fundação oficial, com a expedição do Brigadeiro Silva Paes e da Fortaleza Jesus, Maria e José, em Rio Grande. Em 1738, instala-se o Governo de Santa Catarina, a que pertenciam as terras do mesmo e do Rio Grande.
Em 1751, o Tribunal da Relação do Rio de Janeiro, abrangendo daí até o Prata. Seguem-se numerosos mudanças que desembocam no Decreto nº 2.342, de 06.08.1873 com a criação do Tribunal da Relação de Porto Alegre e o Decreto nº 5.456, de 05.11.1873, que fixou o dia 03 de fevereiro de 1874 para a instalação do mesmo, o que se deu às 11 horas da data aprazada, em prédio alugado na Rua Duque de Caxias nº 2251. Tinha jurisdição para as Províncias Imperiais de São Pedro do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina. Era composto por sete desembargadores: João Baptista Gonçalves Campos (presidente), Júlio César Berenguer de Bittencourt, Luiz José de Sampaio, Antonio Augusto Pereira da Cunha, Adriano José Leal (Procurador da Coroa), Ignácio José de Mendonça Uchôa, e Luiz Correa de Queiroz Barros.
Os primitivos quadros da Justiça eram oriundos de bacharéis graduados em Coimbra, Sourbonne e Goettingen, “acessíveis aos membros da nobreza pernambucana, senhores de engenho e alta burguesia”, mas o nascimento dos cursos jurídicos em Olinda e São Paulo, a partir de 11 de agosto de 1827, vieram a preencher os encargos judiciários nesta etapa. Segundo Otero, a criação de dita Corte, de certa forma, contemplava até aspirações já reivindicadas pelos farroupilhas em 1835, expressas em manifesto de Bento Gonçalves em setembro de 1838.
A primeira sessão ordinária da Relação, ou “Conferência”, como se denominava, aconteceu numa sexta-feira, dia 6 de fevereiro. O primeiro feito criminal distribuído foi o Recurso Crime nº 1, da Comarca de Bagé, em que figurava como recorrido Augusto Greffe2, e coube ao Desembargador Pereira da Cunha, a quem tocou, ainda, o primeiro recurso cível, oriundo de Pelotas (Manuel Marques das Neves Lobo X José de Oliveira Gomes). Distribuíram-se, ainda, feitos vindos de Santa Catarina (2), de Porto Alegre (1), de Desterro e outro de Itajaí. Os julgamentos se deram no dia 10 de fevereiro. No primeiro ano de seu funcionamento o Tribunal da Relação apreciou habeas corpus impetrados por diversas mulheres presas (Filipina Maurer, entre elas) relativos aos acontecimentos em São Leopoldo, depois conhecidos como “Guerra dos Muckers”.
O Tribunal da Relação é, pois, origem do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul que, em fevereiro de 2024, festejará 150 anos de sua instituição.
{AD-READ-3}¹O prédio situava-se onde hoje está a escadaria do Viaduto e edifícios laterais.
²Os autos do processo não foram achados nos Arquivos Judiciais ou outros.