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O candombe como resistência e liberdade

Intercâmbio através da cultura afro-uruguaia é exposto em documentário produzido na Fronteira do Brasil com Uruguai

Em 02/05/2021 às 07:00h

por Redação JM

O candombe como resistência e liberdade | Cidade | Jornal Minuano | O jornal que Bagé gosta de ler
Cuerda comemora Dia da Independencia do Uruguai em 2019 / Foto: Elis Regina/Especial JM

Uma cultura de origem africana, enraizada na cultura uruguaia, e que leva consigo um sentimento de liberdade de expressão e resistência cultural. Este é o Candombe, um dos assuntos que serão abordados em ‘La Sociedad’, episódio do filme Fronterizos.

O documentário, dirigido pela bageense Adriana Gonçalves Ferreira, está previsto para ser lançado nos próximos meses, junto a outras quatro obras que compõem o longa-metragem. Através de entrevistas e imagens de arquivos, ‘La Sociedad’ mostra o movimento cultural e artístico que acontece na Sociedade Uruguaia de Socorros Mútuos de Bagé, local reconhecido como berço do Candombe no lado brasileiro da Fronteira.

 

Uma história de resistência
A história que é mostrada no documentário pode até parecer recente, mas se trata de uma movimentação que é resultado de uma luta que acontece há centenas de anos. O Candombe chegou ao Uruguai no século XVIII, como uma sobrevivência do acervo ancestral da raiz Bantú, um conjunto de povos africanos que falam diferentes idiomas, derivados de uma língua original.

Trazidos à América do Sul contra a própria vontade, para serem vendidos, humilhados e submetidos a duras tarefas, os negros e negras tocavam seus tambores e realizavam suas danças como forma de resistência à escravidão, enquanto sua cultura era reprimida pelos colonizadores.

Inicialmente, o termo “Candombe” referia-se, de modo genérico, às danças africanas, em Montevidéu. No entanto, conforme os toques iam tomando um tom único, foi se criando um ritmo musical próprio. Com isso, nos últimos séculos, o Candombe manteve seu papel como forma de resistência, mas também passou a ser associado ao conceito de integração cultural.

 

Cultura fronteiriça
Foi pensando nas ressignificações dessa cultura que o Ponto de Cultura Pampa Sem Fronteiras começou uma articulação para introduzir o candombe em Bagé, município na Fronteira do Brasil com o Uruguai. “Por vivermos na região de fronteira, e conhecermos o candombe afro-uruguaio, surgiu essa vontade de desenvolver essa cultura em Bagé”, explica Adriana, que além de dirigir o documentário, também foi uma das primeiras tamborileiras em Bagé, e uma das responsáveis pelo desenvolvimento da cultura do candombe na cidade.

Segundo a diretora, a primeira ação realizada pelo Ponto de Cultura foi a aquisição de uma cuerda, o conjunto dos três tambores que fazem o candombe: o piano, o repique e o chico. Para se ter uma noção de como funciona o Candombe, é importante saber as peculiaridades de cada tambor. O piano é o maior dos três, e com o som mais grave, tendo uma função similar à do baixo acústico ou elétrico. O chico é o menor e mais agudo, servindo como pêndulo que sustenta o ritmo da cuerda. Por fim, o repique dita o ritmo e a improvisação necessária para que os demais tambores unam seus ritmos.

Adriana conta que essa primeira cuerda chegou à cidade em 1º de maio de 2015, sendo recebida por integrantes do Pampa Sem Fronteiras, com auxílio da ONG Mundo Afro, em Rivera, no Uruguai. O valor para a compra dos tambores foi arrecadado com recursos conquistados com o brechó no Centro Histórico de Santa Thereza, instituição que deu origem ao Ponto de Cultura.

Após essa conquista, o Pampa Sem Fronteiras abriu ensaios para o público na Sociedade Uruguaia de Bagé. As primeiras orientações pedagógicas do Candombe foram dadas pelo professor do curso de Música da Universidade Federal do Pampa, Matheus Leite, que também foi um dos primeiros tamborileiros a se juntar à cuerda na cidade, a qual recebeu o nome de Grillos Candomberos.

O músico Felicíssimo Franco também foi um dos primeiros tamborileiros a se juntar à cuerda na cidade. Para ele, tocar Candombe representa um modo de vida e de resistência. “É fazer com que o tambor comunique e ecoe toda a nossa saga de luta e de respeito aos povos”, afirma.

Com o tempo, mais tambores foram arrecadados através de eventos beneficentes e contribuições da comunidade. “Significa muito para nós desenvolver o candombe do lado brasileiro porque a gente não acredita no limite da Fronteira. A gente entende a fronteira como algo que nos une e não que nos divide”, complementa a diretora.

A partir destes primeiros eventos, Adriana lembra que a cidade de Bagé foi entendendo o que é o candombe, e foi se apropriando dessa cultura aos poucos. “Escolas, eventos e até sindicatos começaram a nos convidar para apresentações e oficinas. Tocamos também na Feira do Livro do Sesc. A cidade começou a entender e admirar o candombe”, relata a diretora.

A acadêmica da Universidade Federal do Pampa, Rosiméri Goulart, foi a primeira bailarina a se juntar à cuerda, além de também já ter atuado como tamborileira. Ela revela que o Candombe a ajuda a se libertar de sua timidez. “Com o Candombe, quando toca o tambor, isso me deixa mais solta, me deixa mais livre pra dançar”, expõe.

O argentino Rodrigo Bordón, conheceu o candombe há cerca de 10 anos, na cidade de Resistência, capital da província de Chaco. Há aproximadamente 4 anos, o tamborileiro conheceu a iniciativa em Bagé, e começou a fazer parte da cuerda. Ele explica que tem uma vida nômade, passando por diversos países da América do Sul, mas que sempre acha tempo para ensaiar com os Grillos. “Eu tô sempre me informado pelo grupo no WhatsApp para ver se tão ensaiando, e como que o pessoal está. É sempre uma alegria quando venho aqui e vejo como cresce esse candombe em Bagé e na Fronteira”, declara.

 

O candombe como um sentimento de liberdade
Adriana, que está na direção do “La Sociedad”, episódio do Filme Fronterizos, explica que o candombe vai muito além da musicalidade e não se define como uma coisa só, mas afirma-se como uma integração cultural de resistência e liberdade: “O candombe é libertador. Carrega consigo uma ancestralidade que define o modo de vida de compartilhar, de compartir, como dizem nossos hermanos uruguaios e transmite liberdade, pois traz a luta do povo negro, ao mesmo tempo em que unifica e agrega a todos. Candombe é força e um sentimento de liberdade”, declarou.

 

Os ensinamentos dos tambores
O professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Sul-rio-grandense (IFSul), Lisandro Moura, também foi um dos primeiros tamborileiros a se juntar à cuerda em Bagé.

Com sua aproximação à essa cultura, Lisandro começou a estudar o Candombe, e buscou conhecer comparsas de outros lugares, atuando como tamborileiro aprendiz em grupos de cidades Uruguaias como Rivera, Melo e até Montevidéu.

Conforme o docente, a partir destes ensaios, apresentações e oficinas foi se formando uma rede de relacionamento com comparsas destes lugares. Relações estas que, segundo Lisandro, iam além do aspecto estritamente musical, mas que também criaram uma característica de fortalecimento das políticas de integração cultural e de intercâmbio entre pessoas dos dois países.

Nestas idas e vindas, Moura realizou sua pesquisa para tese de doutorado em Antropologia, vinculada ao Grupo Antropoéticas do Laboratório de Ensino, Pesquisa e Produção em Antropologia da Imagem e do Som (LEPPAIS-UFPel). Através dessa movimentação, o docente conseguiu mapear diferentes habilidades e técnicas corporais experienciadas com os tambores e na convivência com as comparsas.

Após a realização dessa pesquisa, Lisandro defende que tocar candombe é um conhecimento que não se aprende apenas por oficinas ou cursos formais, mas na convivência com os tambores, na medida em que se estabelece com eles uma relação de afinidade, de cuidado e de disciplina. “Os tamborileiros dizem que no Candombe ninguém ensina nada a ninguém. É algo que se aprende, mas que não se ensina. Por isso eu defendo que são os tambores quem de fato ensinam”, destaca.

 

A adaptação do Candombe às identidades culturais
Foi entre estas andanças de Lisandro, que o docente conheceu Carlos Dutra, mestre candonbeiro da Agrupación de Negros y Lubolos Biricunyamba, de Rivera. Nascido em Montevidéu, Dutra se mudou para a fronteira do Brasil com o Uruguai em 2010, quando criou a agrupação com o intuito de perpetuar a cultura afro-uruguaia.

O tamborileiro lembra que seu primeiro contato com o Candombe em Bagé foi em uma Fiesta Latina, na Sociedade Uruguaia, quando tocou junto a companheiros da Biricunyamba e integrantes da Grillos Candomberos. “Foi muito emocionante ver a Sociedade Uruguaia. Primeiro pela arquitetura belíssima, e segundo porque eu tenho o som do candombe como um aspecto cultural da comunidade afro, e vê-lo naquele lugar me comoveu muito. E depois porque foi bom estar com as pessoas e conhecer a todos”, conta.

Dutra destaca que existem diferentes tipos de Candombe em cada lugar em que o ritmo é tocado. “Temos um Candombe em Montevidéu, temos um Candombe no interior do Uruguai, e estamos propondo um Candombe da Fronteira”, afirma.

As características básicas de cada um destes tipos, segundo o tamborileiro, se dão a partir dos três toques madre do Candombe - Ansina, Cuareim e Cordón. Já as diferenças se formam por aspectos culturais e pelas características dos negros que chegaram ao local, assim como a forma com que chegaram. “Se não for assim, o que estaríamos fazendo seria repetir o que já é feito no Candombe de Montevidéu. E eu acredito que em cada um dos lugares em que o Candombe está, tem sua identidade própria”, reitera.

Por estas peculiaridades que grupos de tamborileiros na região da fronteira do Brasil com Uruguai têm realizado esta movida cultural pelo reconhecimento e desenvolvimento da identidade do Candombe de Fronteira. Movimento este, que vem crescendo em um ambiente pedagógico de intercâmbio contínuo entre as comparsas da Fronteira e do Uruguai.

 

Fronteriz@s
Esta é uma das histórias abordadas no documentário ‘La Sociedad’, uma das produções do filme Fronteiriz@s. O longa-metragem tem como proponente a Sociedade Independente Cultural (SIC), de Jaguarão, e conta com apoio do Ponto de Cultura Pampa Sem Fronteiras, responsável pelo empreendimento colaborativo e criativo “Sem Fronteiras”, que une colaboradores do audiovisual e da comunicação, em Bagé.

A produção executiva da iniciativa é de Ricardo Marques Almeida, um dos coordenadores do movimento Fronteras Culturales, que promove ações de integração cultural nas regiões de fronteira e nas capitais, desde 2010. A produção executiva é de Magnum Patron Sória, e a assessora de comunicação geral é Náthaly Weber.

Além do documentário dirigido por Adriana, em Bagé, o projeto também contará com curtas dirigidos por Felipe Yurgel, em Santa Vitória do Palmar, Chuí e Chuy; Fabi Ud, em Santana do Livramento e Rivera; Luiz Alberto Cassol, em Jaguarão-Río Branco; e Alexandre Mattos, em Pelotas.
Vale ressaltar que a iniciativa é realizada com recursos da Lei Aldir Blanc nº 14.017/2020, no Edital da Secretaria Estadual de Cultura do Rio Grande do Sul nº 09/2020 – Produções Culturais e Artísticas, Ministério do Turismo, Secretaria Especial da Cultura.

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