Um homem honrado
A vida de relação proporciona alegrias, decepções, surpresas. Cada um vai pelos anos somando créditos, conjugando sentimentos e assim elaborando listas de admiração e fidelidade. Há afetos passageiros. Há, todavia, amizades que se enraízam, pessoas que passam a compor o quadro irredutível da lealdade e confiança. Há pouco andei pela cidade cumprindo compromissos. Imaginava separar um espaço para o cafezinho da padaria. E abraçar Pedro Caggiano Filho.
Ao ser surpreendido com a notícia de sua morte, as lembranças atropelam e fluem em desordem. Quantos anos de convivência? Sessenta, setenta anos de estima? Recordo as noites no Clube Comercial em que muitos, como Caggiano e Domingão, ficavam próximos ao rádio para escutar os tangos transmitidos pelas emissoras argentinas.
Quando comecei o magistério e certa manhã voltava para casa, José Avancini convidou para saborear um trago no bar do Hotel Brasil, local estilo inglês, atendido pelo Jerônimo. Num dos recantos a mesa onde estavam Caggiano, Ely Goulart, Walter Médici, Héctor Salomoni, às vezes os uruguaios Maldini e Aviotti, e onde reinava, soberano, o parente Chico Beltrand. Ali aportavam, às vezes, caixeiros-viajantes, amigos e até artistas.
Desnecessário sublinhar que fiquei cativo ao hábito dos sábados (outros dias também...) e sou testemunha de momentos antológicos ali passados. Quando o estabelecimento fechou, mudou-se para o Hotel Charrua, época em que apareceu o “Conde” Latorraca, Emílio e outros “vendedores de papéis”, o que era moda. Finalmente, um bom período seguiu no City Hotel, engordada a turma por noviços e veteranos no copismo. Tal fase muito solidificou a amizade com Pedro Caggiano, acrescida a convivência no Leonismo, com Miguel Gularte (amigo de adolescência dele, junto com Bideco Ramos), depois Osvaldo Borba, Luis Bender, Jamil Karam, Domingos Gomes, Dalé e tantos outros. Essa foi uma fase áurea de convívio, junto com as esposas e filhos, frequência contínua, aniversários, blocos de carnaval, congressos, as reuniões sempre festivas nas casas de um ou outro, a prática sadia do companheirismo e da solidariedade.
Graduado em Agronomia, ex-aluno de grandes professores, e embora já cuidando os interesses patrimoniais de sua mãe e irmã, Pedro foi aprovado com destaque em certame público, com exercício, depois, na Embrapa. Eis aqui, além de sua família, o grande afeto de sua existência. Servidor probo e competente, com exemplar desempenho funcional, assíduo, dedicado, forjou, com seus colegas uma confraria que ainda persiste e de que se orgulhava. Tempos do Dr. Barcellos e outros gestores e pesquisadores como Chaguinhas, Salomoni, Macedo, Borba, Auro, Joal, Collares e outros que sempre estavam no radar de seus apreços, causa de seus envaidecimentos pelo prestígio nacional daquele órgão federal e capacidade científica de seus membros, muito dos quais ainda o encontravam nas manhãs domingueiras da padaria e café, bem-humorado e fraterno.
Ajudou a muitos, o que fez com discrição e reserva, até mesmo com risco de seus haveres. Retilíneo em sua conduta, correto em seus negócios e tratativas, homem de palavra e responsabilidade, cuidou com desvelo os interesses de sua mãe, depois de sua irmã e de sua filha Luciana até que esta, maior, assumisse seu acervo, sem dispensar os seus sábios conselhos. A seu lado, por mais de sessenta anos, teve a amorosa companhia de Iracema, exemplar e devotada esposa, parceira em todos os episódios da vida conjugal. Também de Luciana, que mostrou fortaleza e carinho, junto ao desvelo do médico e genro Jorge Boemo. Pedro se orgulhava, nestes dias finais, do destaque de seu neto Pedro Antonio nos passos iniciais da carreira jurídica. E da graça da neta Giovana. Foi um homem honrado. E mais que tudo, um amigo leal e disponível, cuja existência foi um evangelho de préstimo e apoio. Fará falta. E como.