Os parentes por adesão
Passaria desapercebido. Não para o atilado Dr. Lahorgue que lera a obra até o ponto final. O fato é o seguinte. Laurentino Gomes, autor de livros históricos de relevo e de boa leitura, nas últimas linhas do terceiro volume sobre a escravidão narra que, estando com sua mulher Carmen nos Estados Unidos, por curiosidade, resolveu fazer um texto genético em ambos, buscando comprovar quanto de africano haveria nas suas ancestralidades. Descobre que tinha 98,5% de DNA europeu, com predominância judaica, 0,5% de genética africana e 1% indígena. Quanto à Carmen, 20% provinha do Congo/Angola, o que o surpreendeu, pois ela tem tez clara, atribuindo o resultado, à “herança do sobrenome materno Severo, adotado por escravos africanos levados para a região de Bagé, no interior gaúcho “, onde sua sogra Marília havia nascido.
A revelação reverbera em minhas “fímbrias” sentimentais pois minha avó paterna fora a preclara e benemérita dona Carlinda, “née” Leal Severo, distinta dama pedritense cooptada pelo frágil Pietro Paolo Giorgis, atrevido italianinho que a conquistou enquanto mercadejava nestas plagas, mas que, com engenho e arte, também ajudou a estender a planta rural da família até as beiradas de Caçapava. Hoje é notória a estrutura genética dos brasileiros o que aponta para a miscigenação. Europeus, indígenas, pretos ou judeus contribuíram com suas taxas, predominantes neste ou naquele, pintando com suas cores o sangue pátrio.
O episódio, além de aumentar a admiração pelo escritor e a conterrânea Marília Severo, certifica evento bastante proclamado pelo governador Alceu Collares; ou seja, no ambiente do patriarcado rural brasileiro, assim como na composição da alargada família romana primitiva (patriarca, esposa, filhos biológicos e adotivos, parentes, empregados domésticos, alforriados, escravos e até os bens) era corriqueiro que, aos nascidos dos servos e peões, como deferência e homenagem aos patrões, se acrescentasse o sobrenome daquele grupo familiar. Há muitos exemplos concretos em Bagé e arredores. E, de certa forma, os assim batizados e os “filhos de criação”, acabaram por prestigiar o surgimento da parentalidade socioafetiva.