O levante dos bichos
O problema do leitor acostumado a demolir bibliotecas acontece, passados anos, quando sente vontade de reler uma obra que envelhece na estante. Dúvida atroz, obedecer aos recomendados ou reabrir o clássico de que não se recorda? Isso aconteceu, mas em aeroporto, onde sou abalroado pela capa de “A Fazenda dos Animais” – também “Revolução dos Bichos”- de George Orwell, que me encantara há quase 50 anos.
Pensei comigo: o voo leva duas horas, porque não comprá-lo? Sim, comprei-o, outro tradutor, gostara do enredo. Depois da reza e quando o avião passou os dez mil pés, enquanto a maioria abria celulares e tabletes, alguns recostavam bocejando, o “Senhor Jones, da Fazenda Herdade, tinha trancado os galinheiros à noite, mas estava bêbado demais para lembrar-se de também fechar as portinholas”. E passei a sentir a mesma reação que os leitores de 1945. Espanto. Estranheza. Admiração. Tantos anos e a publicação continua desconcertante, intertextual e polimorfa, dizem os cultos, pois cuida sobre a existência e limitações humanas. “O homem, diz Orwell, é a única criatura que consome sem produzir. Ele não dá leite, não deposita ovos, é fraco para puxar o arado e lento para pegar os coelhos. Ele os coloca para trabalhar, ele dá a eles apena o mínimo, de modo a evitar que passem fome, o restante ele mantém para si”.
Na fazenda, as personagens são os porcos, ovelhas, cavalos, vacas, galinhas. Ou seja, metáforas daqueles animais, de personalidades, de governantes. Domina o entendimento que ali há uma censura ao totalitarismo e ao movimento comunista que eclodira em 1917. Identificam-se alguns pela conduta, os porcos (Marx/Lenin), Napoleão (Stalin), Bola de Neve (Trotsky); as ovelhas, a massa ignara; os cavalos que só laboram com anteolhos (trabalhador explorado); as galinhas (o povo sem rumo); o burro empacado (o mundo); os cães (os seguidores fiéis e cegos), etc.
Desta “fábula satírica” resultou um mandamento fundamental: “Todos os animais são iguais, mas alguns animais são mais iguais que os outros”. Ou o dito de Bola de Neve: “Quatro patas, bom; duas patas, ruim”. Assim como em “1984”, Orwell continua atual.