Região
Plano avança na conservação de espécies ameaçadas no Pampa
por Sidimar Rostan
por Sidimar Rostan
O Plano de Ação Territorial para Conservação de Espécies Ameaçadas de Extinção da Campanha Sul e Serra do Sudeste (PAT Campanha Sul e Serra do Sudeste), estabelecido em 2020, visando a manutenção de 16 espécies de flora e 14 de fauna no bioma Pampa, contabiliza avanços na promoção do conhecimento científico, na articulação e no incentivo às boas práticas. Os resultados preliminares foram apresentados na semana passada, na primeira oficina de monitoria, realizada na sede da Embrapa Pecuária Sul, em Bagé.
A elaboração do plano começou pela definição das espécies-alvo, dos limites territoriais e a identificação dos principais vetores de pressão. A seleção das espécies baseou-se em sua classificação como criticamente ameaçadas de extinção em listas oficiais e na falta de políticas públicas específicas para sua proteção. Indiretamente, outras 36 espécies de fauna e 125 de flora também se beneficiam das ações de conservação.
O processo de planejamento envolvia, no início, mais de 50 colaboradores de 20 instituições. Mas o grupo foi ganhando novos agentes, a exemplo da Embrapa, da Emater e do Comitê dos Povos e Comunidades Tradicionais do Pampa, que reúne integrantes de comunidades quilombolas, pescadores artesanais, povo pomerano, povo cigano, povo de Terreiro, benzedeiras e pecuaristas familiares. “A participação no PAT é fundamental, porque existe conhecimento tradicional associado às espécies-alvo de conservação que precisa ser compartilhado”, pontua o integrante da coordenação, Fernando Aristimunho.
O coordenador executivo do PAT Campanha Sul e Serra do Sudeste, Leonardo Urruth, explica que o planejamento abrange 44 ações e sete objetivos específicos em um ciclo que deve ser encerrado em 2026. “As oficinas de monitoria acontecem ao longo da implementação. E organizar a oficina dentro da Embrapa foi chave neste processo. Embrapa, Emater e prefeituras nos ajudam a chegar nos produtores. Não estamos trabalhando com unidades de conservação, mas com espécies que estão dentro das propriedades privadas”, pontua.
Urruth destaca que a estratégia de ação busca conciliar produção e geração de renda com a conservação, enfatizando que a atividade da pecuária familiar é perfeitamente compatível com a manutenção de espécies criticamente ameaçadas de extinção no Pampa. “Nos primeiros três anos fizemos muito planejamento, muitas ações preparatórias, e, agora, vamos trabalhar com outras frentes, como a educomunicação, para alcançar os produtores”, detalha, ao mencionar que o cronograma do PAT também permitiu avançar na construção de conhecimento relacionado às ameadas.
Coleta ilegal para comércio e biopirataria (que envolve a exploração, manipulação e exportação de recursos biológicos para fins comerciais) estão entre as ameaças às espécies de cactos e bromélias, sementes e outras plantas ornamentais, conforme exemplifica Urruth. Para reverter o cenário, ainda de acordo com o coordenador, será preciso avançar na conscientização sobre a importância das espécies e no estabelecimento de mecanismos legais que garantam punição aos infratores.
A expansão das monoculturas, a degradação de habitat ocasionadas por espécies exóticas invasoras, como capim-annoni, o tojo e o pínus, bem como a aplicação aérea de agrotóxicos e a redução de polinizadores, ameaçam diferentes espécies de flora que estão na mira do PAT, que abrange os municípios de Santana da Boa Vista, Piratini, Pedro Osório, Encruzilhada do Sul, Pinheiro Machado, Caçapava do Sul, Candiota, Canguçu, Arroio Grande, Cerrito, Jaguarão, Herval, Pedras Altas, Bagé, Dom Pedrito, Aceguá, Hulha Negra e Lavras do Sul.
O PAT Campanha Sul e Serra do Sudeste foi criado dentro do cronograma de atividades do projeto Pró-Espécies - Estratégia Nacional de Conservação de Espécies Ameaçadas, estabelecido pelo Ministério do Meio Ambiente, e financiado pelo Fundo Mundial para o Meio Ambiente. A implementação foi inicialmente viabilizada pelo Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (Funbio), contando com o WWF-Brasil como agência executora
Alternativas para salvar peixes do campo
Capazes de sobreviver em poças rasas e temporárias em campos de Aceguá, Bagé, Candiota e Hulha Negra, espécies raras de peixes-anuais, ameaçadas pelo processo de conversão de áreas nativas do bioma Pampa em culturas agrícolas, podem ser preservadas através do PAT. Pelo menos 12 espécies são alvos do plano. E os avanços registrados nos três primeiros anos de implementação são significativos.
Os peixes-anuais, como são conhecidos, têm seu ciclo de reprodução em poças isoladas, que funcionam como verdadeiros oásis no meio dos pastos. Com a chegada das chuvas, os pequenos peixes coloridos começam a brotar nos campos do Pampa. O fenômeno biológico tem início quando a água provoca a eclosão dos ovos fertilizados depositados na lama.
Ocorre que essas poças estão sujeitas às mudanças constantes do bioma e podem desaparecer rapidamente. De maneira geral, as espécies de peixes-anuais são ameaçadas pela drenagem dos charcos para plantio de arroz e conversão do habitat para uso agrícola e silvicultura. O Sumário Executivo do PAT Campanha Sul e Serra do Sudeste destaca que a perda de habitat pela expansão urbana e construção de infraestrutura, como barragens e açudes, também impacta as populações.
O coordenador técnico da ONG Instituto Pró-Pampa (IPPampa), Luis Esteban Krause Lanés, que também integra o Grupo de Assessoramento Técnico do PAT, explica que o trabalho realizado ampliou o conhecimento sobre espécies e seus habitats, resultando em alternativas para financiamento de ações. “A reposição florestal obrigatória, que a Sema (Secretaria do Meio Ambiente do Estado) gerencia, tornou possível viabilizar as ações economicamente. Inclusive conseguimos a aprovação de um projeto específico para os peixes anuais na área do PAT”, detalha.
Lanés menciona que, dentro do cronograma do planejamento, foram realizadas duas campanhas de coleta, para amostragem de espécies. O maior desafio, ainda de acordo com o coordenador, é alcançar outros atores, o que inclui setor produtivo e proprietários de áreas rurais. “Precisamos mostrar que os bichos existem. Fizemos uma atividade no município de Canguçu e encontramos uma população na casa de uma família. Eles ficaram entusiasmados quando entenderam a importância”, exemplifica.
A ação desenvolvida em Canguçu atraiu o cinegrafista e fotógrafo de vida selvagem Cristian Dimitrius, que registrou uma das campanhas de coletas. “Ficamos quase uma semana dentro do charco com equipamento para produzir imagens que nunca haviam sido obtidas até então. São imagens subaquáticas, fotos dos peixes em comportamentos que nunca havíamos registrado”, comemora Lanés.
A pecuária é considerada a melhor atividade econômica que tem maior compatibilidade com a preservação dos charcos, habitats dos peixes-anuais. “Muitos estudos mostram que os charcos podem até aumentar a produtividade do campo e das culturas agrícolas, porque estocam carbono, nitrogênio e biomassa. O campo se recupera mais rápido porque é uma vegetação resiliente. Nosso trabalho passa também por demonstrar isso, que o produtor terá um diferencial ao preservar”, enfatiza.
Cronograma do PAT amplia conhecimento sobre Gato-palheiro-pampeano
O felino mais desconhecido e mais ameaçado em todo o país também é um dos alvos de conservação do PAT Campanha Sul e Serra do Sudeste. A pesquisadora Flávia Tirelli, associada do Instituto Pró-Carnívoros, observa que o Gato-palheiro-pampeano é categorizado como criticamente em perigo de extinção. “Através do PAT, trabalhamos ações específicas voltadas à gato. Uma delas é a compreender um pouco mais sobre a biologia da espécie, mesmo, entender quais habitats utilizam, qual é o período de atividade que está ativo”, pontua.
Descobrir qual habitat é utilizado pelo Gato-palheiro-pampeano é uma etapa fundamental para o estabelecimento de ações de conservação. “Observamos que está muito ligado ao campo nativo. Nossa hipótese era a de que era uma espécie de campo nativo, associado à pecuária tradicional, sustentável, e agora estamos compreendendo que é mesmo”, adianta a pesquisadora, ao afirmar que as ações são implementadas através de parcerias com propriedades privadas.
Da parceria com a Alianza del Pastizal, organização que reúne produtores rurais e parceiros institucionais para promover sistemas de produção agropecuária alinhados à conservação ambiental do Pampa, resultou a identificação de uma população do Gato-palheiro-pampeano. “Em função do PAT, foram feitos nove registros. Fazia 20 anos que se tentava encontrar essa espécie. Nos 20 anos, tínhamos oito ou novo registros fotográficos. E em poucos meses de trabalho com o PAT tivemos nove novos registros da espécie”, contabiliza Flávia.
A conversão dos campos em áreas de agricultura e pastagem é uma ameaça para a espécie alvo do PAT. “Quando perde o campo nativo, o Gato-palheiro-pampeano perde não só os lugares para se esconder, para dormir, ter ninhos e crias. Ele perde também a comida. Ele é predador e precisa se alimentar de carne. A monocultura, com os agrotóxicos, reduz a diversidade do campo, e, consequentemente, reduz as presas do Gato-palheiro-pampeano”, relaciona Flávia.
{AD-READ-3}O trabalho desenvolvido por meio do PAT também permitiu identificar outra ameaça à espécie. “Os atropelamentos ameaçam diferentes espécies, inclusive o Gato-palheiro-pampeano”, menciona Flávia, ao destacar que monitoramento realizado ao longo de nove meses nas rodovias 293 e 153, entre Bagé a Caçapava do Sul, e entre Candiota e Dom Pedrito, permitiu identificar os principais pontos de ocorrência. “Neste período, nossa equipe (vinculada do projeto Felinos do Pampa) encontrou 169 mamíferos atropelados, de 18 espécies diferentes, sendo quatro ameaçadas de extinção, incluindo o Gato-palheiro-pampeano”, contabiliza a pesquisadora.
A construção de passarelas é uma das ações projetadas para reverter os números de atropelamentos na região. “Estamos buscando junto ao DNIT (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes, responsável pelas BRs), indicações da localização dos bueiros. Inicialmente queremos usar esses bueiros já existentes para construir pequenas passarelas secas, para que os animais consigam cruzar as rodovias, colocando cercas, que precisam ser inclinadas, para que não subam na pista”, adianta Flávia, ao revelar que as instalações de outras estruturas devem ser indicadas em relatório específico.