Saúde
Ansiedade climática: uma realidade
por Giana Cunha
Quem aí, depois da chuva de granizo, em setembro do ano passado, não ficou mais abalado emocionalmente a cada virada de tempo? Para completar, o cenário de maio deste ano, devastando e alagando cidades do Estado, também gerou um misto de sentimentos, como flashback do início da pandemia de Covid-19.
Mesmo que o excesso de chuvas não tenha afetado, com tanta força a região da Campanha, não há como não se comover. O cenário de calamidade vivido no Rio Grande do Sul, trouxe além de muitos prejuízos, o que os especialistas já chamam de ansiedade climática.
Todos ficamos apreensivos em relação ao céu carregado, ou quando venta forte, qualquer alteração, tem afetado os ânimos dos gaúchos. Se os adultos registram alterações emocionais, imaginem as crianças. E elas merecem atenção especial.
Entre os sintomas da ansiedade estão, medo excessivo, irritabilidade, crises de choro, e falta de interesse. Mesmo que alguns dos pequenos não tenham sido afetados diretamente com as cheias, eles percebem os impactos. E há uma grande preocupação dos especialistas diante da tragédia que assola o Rio Grande do Sul.
As crianças têm uma dupla vulnerabilidade porque dependem dos adultos,que também estão abalados diante de tudo. A preocupação pode se dar de forma direta ou indireta. Crianças que perderam a casa ou familiares ou aquelas que percebem o que está acontecendo através do noticiário. Todo mundo está vivenciando isso de alguma forma.
A médica pediatra Denise Zandoná pondera que a catástrofe, deste porte, é algo novo e é motivo de preocupação para a Sociedade Brasileira de Pediatria. A situação está sendo tratada como "estresse tóxico". São dois olhares, um para as crianças que estão vivenciando diretamente o problema e outro, para as que indiretamente recebem informações.
O "estresse tóxico" ao longo dos anos pode causar transtornos para as crianças. É uma resposta do sistema nervoso para situações de tensão prolongada, estresse permanente e perigo. Esse tipo de estresse pode gerar uma ativação mais prolongada dos hormônios. Com a adrenalina em alta, o sistema nervoso pode ficar comprometido, potencializando traumas, medos e problemas de aprendizagem.
Na primeira infância (até os seis anos), acontece a base do desenvolvimento e tudo o que ocorre nessa fase gera repercussão na vida toda do indivíduo. E os especialistas reforçam a necessidade de buscar estratégias para amortecer esses impactos. Por isso é tão importante a atenção dos pais. Segundo a médica, ouvir as crianças, dar atenção aos seus sentimentos é fundamental. E buscar explicar os eventos. Que isso vai passar, com sinceridade. A pandemia foi um grande exemplo e pode ser utilizada para simbolizar que a reconstrução vai acontecer.
Questões de saúde, como alimentação e contaminações também são importantes. A pediatra destaca que coisas de crianças, como o brincar, por exemplo "São fundamentais para o entendimento das questões. Ao brincar elas aprendem a compreender, socializar, lidar com as suas próprias emoções".
A psicóloga Silvia Vargas, coordenadora do Curso de Psicologia da Urcamp, explicou que os desastres desafiam a capacidade humana de respostas e podem provocar medo, sensação de impotência, confrontação com a destruição e morte, além da perturbação aguda em crenças e valores. "Precisamos compreender o estresse não somente pela perspectiva individual, mas socia, o que torna o desastre um 'estressor coletivo”, frisa. De acordo com ela, é importante olhar por esta perspectiva para compreendermos o quanto crianças e
adolescentes podem ser impactados, mesmo quando não são vítimas diretas de tais desastres.
A professora conta que pesquisadores da área da Psicologia e Psiquiatria têm estudado o que se denominou de “ecoansiedade” ou “ansiedade climática”, que seria a angústia ligada à crise climática, um sentimento coletivo de preocupação diante dos desastres que se tornaram mais comuns. Portanto, não é um transtorno mental individual, mas sentimentos que são partilhados coletivamente, porém podem mobilizar respostas individuais de diferentes intensidades e que necessitam ser manejadas para que não evoluam patologicamente.
Crianças e adolescentes, por estarem ainda em desenvolvimento, e, portanto, sem uma estrutura psíquica adequada para lidar com tais angústias, podem ser intensamente afetados,
exigindo um manejo mais cuidadoso.
A prática clínica, nestas últimas semanas, tem mostrado um aumento significativo em busca por consultas relacionadas a sintomas de ansiedade e angústia com as enxurradas, muitos verbalizam que o barulho da chuva tem sido fator de preocupação e ansiedade, validando uma angústia coletiva.
E os adultos também merecem cuidados. O primeiro desafio, de acordo com a Unicef, é ajudar os adultos, pais e cuidadores a lidar com a carga emocional da situação, pois eles precisam estar bem para conseguir cuidar das crianças. Isso é claro, sem falar das necessidades básicas que devem ser garantidas com ambientes seguros, acesso à cuidados de saúde, água potável e locais de higiene.
Mudanças comportamentais
Os especialistas apontam que essas alterações variam conforme o temperamento de cada indivíduo. Alguns podem ser mais retraídos já outros, podem demonstrar raiva, tristeza e medo. Ter crises de choro, pesadelos, falta de interesse pelas brincadeiras e alterações de comportamento. Todas essas alterações podem indicar que a criança está em sofrimento.
{AD-READ-3}O recomendado é que as famílias deem suporte necessário para que a pessoa seja acolhida independentemente do comportamento. Outro ponto de atenção é que a informação chegue dentro da capacidade de compreensão das crianças. A exposição a conteúdos e comentários em excesso pode e deve ser evitada.
A orientação é que haja sinceridade e transparência para abordagem dos fatos, mas, sem exageros. Fazendo com que os pequenos sejam ouvidos e valorizados, fazendo com que fiquem mais tranquilos e acolhidos. Estar atento aos sinais e saber como resolvê-los são os primeiros passos. Mas conforme a intensidade desses sentimentos é indicada a busca de ajuda profissional.