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Região

Projeto “Felinos do Pampa” já registrou 40 espécies em Candiota

Em 24/06/2023 às 14:58h
Jaqueline Muza

por Jaqueline Muza

Projeto “Felinos do Pampa” já registrou 40 espécies em Candiota | Região | Jornal Minuano | O jornal que Bagé gosta de ler
Gato do Mato Grande | Foto: ReproduçãoJM

O projeto “Felinos do Pampa", criado em janeiro de 2022, pelos biólogos Felipe Bortolotto Peters e Marina Ochoa Favarini, já registrou 40 espécies de mamíferos silvestres não voadores (o que exclui morcegos) para a região de Candiota, incluindo Bagé e os municípios vizinhos.

A iniciativa visa promover práticas de conservação e pesquisa, visando a coexistência harmônica entre humanos e felinos silvestres ao longo dos ecossistemas integrados ao Bioma Pampa. O Brasil possui 10 espécies de felinos - sete são consideradas de pequeno porte, pesam de dois a sete quilos. E, destes, quatro vivem no Pampa. Os gatos-selvagens são animais que não gostam de ser vistos, portanto, são espécies pouco estudadas ou conhecidas.

Conforme Marina, a equipe do projeto “Felinos do Pampa” é composta pelas pesquisadoras Flávia Tirelli, Suelen Segui, Ana Paula Albano (todas do Brasil) e Santiago Turcatti (do Uruguai), e desenvolve práticas de conservação e monitoramento com ênfase nas espécies de pequenos felinos silvestres que ocorrem no Bioma Pampa.

A bióloga comenta que o grupo atua em todo o Pampa, incluindo Dom Pedrito, Santana do Livramento, Bagé, Rosário do Sul, Lavras do Sul, Rio Pardo e Santa Maria, mas em Candiota teve a oportunidade de desenvolver uma atuação contínua de longo prazo, em decorrência da parceria com produtores rurais e empresas privadas da localidade do Seival (sobretudo a UTE Pampa Sul). “O apoio nos permite atuar na região desde 2015, quando começamos as primeiras pesquisas direcionadas aos felinos locais e nos mantêm até hoje, o que proporcionou incrementar as primeiras ações educacionais voltadas a conservação”, relata.

Animais cadastrados

Segundo Marina, entre as 40 espécies de mamíferos silvestres cadastrados, foi possível verificar quatro espécies de pequenos felinos silvestres, todas variando entre seis e dois quilos, semelhante a um gato-doméstico. Ela explica que essas quatro espécies podem ser consideradas residentes, sendo todas ameaçadas de extinção segundo a avaliação regional Secretaria Estadual do Meio ambiente, Ministério do Meio Ambiente e Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais.

Espécies destacadas:  

- Gato-do-mato-grande (Leopardus geoffroyi): é a espécie mais comum, podendo ser visualizada no entardecer e amanhecer ao longo de matas, campos, lavouras e até mesmo no entorno das sedes das fazendas. Essa espécie apresenta pelagem amarelada com pequenas pintas pretas ou pelagem totalmente preta, nesse caso, derivada de uma mutação genética chamada melanismo.

- Gato-maracajá (Leopardus wiedii): também pode ser considerada comum, no entanto, o hábito noturno e exclusivamente florestal, faz com seja uma espécie muito difícil de ser observada. Também tem pelagem amarelada, mas com grandes manchas pretas. Costuma se abrigar em cima das árvores, ao longo da extensão dos rios e arroios locais (por exemplo arroio Candiota, rio Jaguarão, arroio Seivalzinho, rio Negro). 

- Gato-mourisco (Herpailurus yagouaroundi): este felino não é muito abundante, sendo encontrado junto a áreas florestais e campos arbustivos conhecido como “campo sujo” ou “vassourais”. Apresenta poucos registros para o Seival, sendo mais comum na região das Palmas em Bagé. É diurno e apresenta pelagem totalmente cinza (existe variantes avermelhadas, mas são muito raras por aqui).

- Gato-palheiro-pampeano (Leopardus munoai): é o mais raro e mais ameaçado de todos os felinos. Apresenta pelagem densa, acinzentada e com listras escuras nas pernas. É restrito a campos nativos herbáceos, ambiente cada vez mais raro no Pampa em decorrência do avanço das lavouras de soja.  Há pouco registro dele para a região, sendo quase todos oriundos de animais mortos por atropelamento.

Para o Pampa, em geral, ela ainda cita a ocorrência pontual ou restrita a zona de contato do Pampa com a Mata Atlântica (região de Santa Maria) de mais três espécies: o gato-do-mato-pequeno (Leopardus guttulus), a jaguatirica (Leopardus pardalis) e o puma (Puma concolor). “Essas três espécies ainda não foram oficialmente registradas em Candiota e entorno”, saliienta.

Busca por conservação

De acordo com Marina, o grupo promove várias ações conservacionistas que visam atenuar ou mitigar os principais impactos locais que incidem sobre os felinos silvestres do Pampa. Entre os impactos que podem gerar a extinção da espécie, ela destaca a fragmentação de habitat, a caça por retaliação, os atropelamentos e as interações negativas com gatos e cachorros domésticos. “Tentamos mitigar estes impactos com ações educacionais direcionadas as escolas, indústrias, comunidades e eventos locais, bem como com ações práticas que resultem em benefícios para os gatos e para as comunidades locais”, informa.

 A pesquisadora salienta que a caça ocorre motivada por retaliação a predação de galinhas. Nesse caso, o grupo é contatado pelas pessoas que estão tendo o conflito com os gatos e são estudadas as  melhores forma de ajudar, seja repondo o plantel predado, reconstruindo ou reparando os galinheiros de maneira a transformá-los em “galinheiros anti-predadores”. Ela explica que, para minimizar os atropelamentos, são localizados os pontos críticos e instaladas placas de sinalização, outdoors educativos ou cercas e passagens subterrâneas (quando possível). O grupo também atua com campanhas de vacinação, castração e tutela responsável, reparando ou reconstruindo canis para diminuir a circulação de animais domésticos em ambientes naturais. “Cães e gatos soltos oferecem riscos de predação e transmissão de doenças para os felinos e demais espécies de nossa fauna silvestre”, relata.

Uma das preocupações da equipe é a perda de habitat. A bióloga frisa que, com o desmatamento das matas ciliares e com a conversão de áreas campestres nativas em lavouras ou áreas industriais, os animais vão perdendo espaço. Para diminuir o impacto, são realizados planos de manejo e programas ambientais direcionados a empreendimentos que passam pela necessidade de licenças ambientais para operar.

Monitoramento

A pesquisa, conforme Marina, ocorre através do monitoramento dos felinos expostos aos impactos. Para isso, são utilizadas a telemetria GPS, armadilhas fotográficas, censos rodoviários e ciência cidadã, visando abordagens ecológicas, genéticas e sanitárias.

- Telemetria GPS: os gatos são capturados e recebem colares GPS para monitorar por onde   estão se deslocando. Os equipamentos  mostram se os felinos silvestres estão se aproximando das residências ou das rodovias e ainda se estão utilizando as florestas ciliares ou as lavouras. Também são instalados  colares em felinos domésticos que são criados soltos, nesse caso, para medir a interação entre os felinos silvestres e os domésticos. Este monitoramento ocorre em Candiota e é uma ação que traz muita visibilidade, visto que resulta em contato direto com estes animais de difícil visualização na natureza. A atividade é devidamente autorizada pelo IBAMA e pelo ICMBio.  

- Armadilhas fotográficas: consistem em uma caixa estanque que contém uma câmera com sensor infravermelho. Estes equipamentos são instalados e mantidos por longos dias em trilhas na mata, sendo acionados pelo calor dos animais que interceptam o seu sensor. As câmeras geram fotos e vídeos dos felinos, mas também podem detectar todas as espécies de mamíferos e aves silvestres ou até mesmo pessoas e animais domésticos. Com estes resultados, conseguimos estimar tamanhos populacionais, frequência e ameaças potenciais aos animais ao longo das áreas de estudo.

- Censo de atropelamentos: são realizados o  mapeamento dos locais de atropelamento ao longo das estradas locais. Essas informações  permitem avaliar onde o problema é recorrente e quais são as principais espécies afetadas.

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- Ciência cidadã: Esta prática é estimulada  ao longo das comunidades rurais, visto que qualquer pessoa pode ser um “cientista cidadão”. Assim são obtidos  a maior parte dos registros que  sobre o raro e ameaçado gato-palheiro-pampeano (Leopardus munoai). Os colaboradores  filmam ou fotografam, com o próprio celular seus encontros com felinos (vivos ou mortos) e  enviam os registros pela nossa página @felinosdopampa, contribuindo diretamente com as pesquisas. 

A bióloga ressalta que todas as atividades que divulgadas estão em fase inicial ou já se encontram em desenvolvimento ao longo dos últimos 15 anos, sempre em parceria com diversas instituições, entre as quais ela destaca o Instituto para a Conservação dos Carnívoros Neotropicais (Pró-Carnívoros), no qual são  filiados; Geoffroy’s Cat Working Group, Pampas Cat Working Group, Ocelot Working Group e Tiger Cat Conservation Initiative, que são  membros atuantes; e Laboratório de Evolução, Sistemática e Ecologia de Aves e Mamíferos da UFRGS, o qual são acadêmicos. As ações desenvolvidas pelo projeto têm aporte financeiro e material fornecidos pelo Mohamed bin Zayed Species Conservation Fund, Small Wild Cats Conservation Foundation, Feline Conservation Foundation e Re:Wild.

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