MENU

Identifique-se!

Se já é assinante informe seus dados de acesso abaixo para usufruir de seu plano de assinatura. Utilize o link "Lembrar Senha" caso tenha esquecido sua senha de acesso. Lembrar sua senha
Área do Assinante | Jornal Minuano | O jornal que Bagé gosta de ler

Ainda não assina o
Minuano On-line?

Diversos planos que se encaixam nas suas necessidades e possibilidades.
Clique abaixo, conheça nossos planos e aproveite as vantagens de ler o Minuano em qualquer lugar que você esteja, na cidade, no campo, na praia ou no exterior.
CONHEÇA OS PLANOS

Região

Plano de ação busca conservação de 30 espécies ameaçadas no bioma Pampa

Em 01/11/2021 às 09:30h

por Redação JM

Por Sidimar Rostan

Capaz de sobreviver em poças rasas, temporárias e isoladas, na zona de várzea do rio Jaguarão Chico, uma rara espécie de peixe anual pode desaparecer com o processo de conversão de áreas nativas do bioma Pampa em culturas agrícolas. Longe de ser uma exceção, o contexto de alteração da paisagem natural do Austrolebias quirogai, encontrado no município de Aceguá, na fronteira com o Uruguai, integra os cenários de outros 29 alvos do Plano de Ação Territorial para Conservação de Espécies Ameaçadas de Extinção da Campanha Sul e Serra do Sudeste (PAT Campanha Sul e Serra do Sudeste), coordenado pela Secretaria do Meio Ambiente e Infraestrutura do Rio Grande do Sul.

Com o objetivo de melhorar o estado de conservação de 16 espécies da flora e 14 da fauna encontradas no Pampa, o PAT Campanha Sul e Serra do Sudeste prevê 35 ações orientadas por objetivos específicos que incluem a difusão do conhecimento técnico-científico, a promoção de boas práticas, a contribuição para a criação de instrumentos legais de proteção ambiental, a prevenção e mitigação dos impactos das espécies exóticas invasoras, a qualificação da gestão ambiental de atividades de infraestrutura para agricultura, silvicultura, transporte, mineração, geração e transmissão de energia, além do fortalecimento da proteção legal, da fiscalização, do fomento à pesquisa e da popularização do conhecimento das espécies alvo e de seus ambientes.

A construção do plano iniciou em 2019, com a definição da lista de espécies alvo, dos limites do território e a identificação dos principais vetores de pressão. A etapa inicial envolveu analistas ambientais e pesquisadores do Jardim Botânico de Porto Alegre e do Museu de Ciências Naturais. A inclusão das espécies como alvos de conservação observou, como critério, a classificação como criticamente em perigo de extinção, em listas oficiais de espécies ameaçadas, e a ausência de políticas públicas para conservação. Indiretamente, outras 36 espécies da fauna e 125 da flora também serão beneficiadas pelas ações de conservação aplicadas para as espécies alvo.

O processo de planejamento, deflagrado em novembro de 2020, com o apoio da Ortus Consultoria, envolve mais de 50 colaboradores de 20 instituições de diferentes setores da sociedade. Leonardo Urruth, analista ambiental da Secretaria do Meio Ambiente e Infraestrutura do Rio Grande do Sul, e coordenador executivo do PAT Campanha Sul e Serra do Sudeste, explica que o trabalho está no primeiro ano de implementação. O ciclo inicial do plano deve ser desenvolvido em cinco anos. 


Cenário de contrastes

Plano abrange 18 cidades da Campanha Sul e Serra do Sudeste
Plano abrange 18 cidades da Campanha Sul e Serra do Sudeste

Com mais de 100 zonas consideradas prioritárias para uso sustentável, em classificação do Ministério do Meio Ambiente, e a menor representatividade no Cadastro Nacional de Unidades de Conservação, constituindo somente 0,3% da área continental protegida no país, o Pampa, cenário do PAT Campanha Sul e Serra do Sudeste, foi o bioma brasileiro que mais perdeu vegetação nativa proporcionalmente em relação ao total de sua área nos últimos 36 anos.

De acordo com dados do MapBiomas, iniciativa multi-institucional que processa imagens de satélites com inteligência artificial e tecnologia de alta resolução em uma rede colaborativa de especialistas, universidades, ONGs, instituições e empresas para a criação de séries históricas e mapeamento de uso e cobertura da terra, o decréscimo de 21,4%, registrado entre 1985 e 2020, coloca o Pampa, segundo menor bioma brasileiro, à frente do Cerrado (-19,8%), do Pantanal (-12,3%) e da Amazônia (-11,6%).

O levantamento do MapBiomas demonstra que as formações campestres ocupavam 46,2% do território do Pampa em 1985. Passados 36 anos, a cobertura representava apenas 32,6%. Enquanto 2,5 milhões de hectares de vegetação nativa desapareceram, neste período, 1,9 milhão de hectares foram ocupados pela agricultura. A atividade, que cobria 29,8% do bioma em 1985, passou a usar 39,9% do território em 2020.

Para o coordenador do mapeamento do Pampa, Heinrich Hasenack, a substituição da formação campestre pela agricultura, além de um desvio da vocação econômica natural, favorece a perda de biodiversidade e liberação de carbono na atmosfera, contribuindo para o efeito estufa. O processo ameaça as espécies alvo do PAT Campanha Sul e Serra do Sudeste, que integra as atividades do projeto Pró-Espécies - Estratégia Nacional de Conservação de Espécies Ameaçadas, criado pelo Ministério do Meio Ambiente, e financiado pelo Fundo Mundial para o Meio Ambiente, que foi implementado pelo Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (Funbio) e tem o WWF-Brasil como agência executora.

O avanço da agricultura sobre a vegetação nativa, verificado pelo mapeamento, pode ser notado em todo o bioma, mas foi mais acentuado nas regiões da Fronteira Oeste, do Planalto Médio e Missões, na Zona Costeira e no leste da Campanha gaúcha. Dom Pedrito e Bagé, locais de ocorrência de oito espécies alvo do PAT (cinco da flora e três da fauna), estão entre os cinco municípios que mais perderam vegetação natural no período. A lista inclui, ainda, São Gabriel, Alegrete e Tupanciretã. Hasenack observa que a pecuária sobre campo nativo, atividade mais alinhada aos desafios de preservação da biodiversidade e redução das emissões de carbono, está perdendo espaço, no Pampa, principalmente para as plantações de soja.

A conversão dos campos em áreas de agricultura e pastagem é uma ameaça para o gato-palheiro-dos-pampas e para o sapinho-de-barriga-vermelha-do-pampa, alvos do plano. A expansão das monoculturas, a degradação de habitat ocasionadas por espécies exóticas invasoras, como capim-annoni, o tojo e o pínus, bem como a aplicação aérea de agrotóxicos e a redução de polinizadores, ameaçam diferentes espécies de flora que estão na mira do PAT. As espécies de peixes anuais são ameaçadas pela drenagem dos charcos para plantio de arroz e conversão do habitat para uso agrícola e silvicultura. O Sumário Executivo do PAT Campanha Sul e Serra do Sudeste destaca que a perda de habitat pela expansão urbana e construção de infraestrutura para criação de gado, como barragens e açudes, também impacta estas espécies.

O sistema utilizado pelo MapBiomas para o levantamento não permite avaliar áreas alagadas temporárias. O estudo, porém, apresenta resultados inéditos sobre a superfície de água no Pampa, revelando que na região da Campanha houve um incremento de água com a implantação de açudes para irrigação, principalmente de arroz. O trabalho também detalha o impacto das queimadas, que representam uma média anual de 92,5 km² para o bioma. O fogo é uma ameaça para a espécie de cacto Frailea mammifera, registrada em Dom Pedrito e em Lavras do Sul.

Em uma espécie de reação a este cenário, a promoção de boas práticas de manejo pecuário e o fortalecimento de cadeias produtivas sustentáveis, integrando comunidades locais e entidades governamentais, estão entre os objetivos do PAT Campanha Sul e Serra do Sudeste. O coordenador explica que apoiar práticas ambientalmente amigáveis, como a pecuária sobre campo nativo, ações de integração produtiva lavoura-pecuária-floresta, agroecologia e sistemas agroflorestais, contribui para aliviar a pressão antrópica sobre ambientes e espécies. “Um dos desafios é o engajamento dos produtores rurais, e nossa expectativa é contar com a participação dos órgãos ambientais, de agricultura e extensão rural dos municípios do território, além da Embrapa e Emater”, salienta.

Com causas de degradação tão distintas, como campos degradados por agricultura, silvicultura, invasão biológica, movimentação de solo, drenagem de áreas úmidas, queimadas e desmatamento, experimentos de restauração em propriedades-piloto também estão no horizonte de objetivos do plano. “A ciência reconhece lacunas de conhecimento sobre as melhores técnicas de restauração para diversas dessas situações. Por esse motivo, e aliado ao fato de ser logística e economicamente inviável promover a restauração de todas as áreas do território simultaneamente, é recomendável que o PAT apoie a realização de experimentos-piloto de restauração em diferentes situações para que os resultados dessas experiências orientem futuramente projetos de restauração em escalas maiores no território e no Pampa, de modo geral”, detalha Urruth.


Em defesa dos ambientes sazonais

Austrolebias quirogai tem registro apenas para Acegua / Foto: Matheus Volcan/Especial JM
Austrolebias quirogai tem registro apenas para Acegua / Foto: Matheus Volcan/Especial JM

Expedições de campo, realizadas entre setembro de 2019 e março de 2020, permitiram a análise preliminar de espécies, da qualidade ambiental e pressões sobre ambientes e paisagens no território do PAT Campanha Sul e Serra do Sudeste, que abrange 18 municípios do Rio Grande do Sul, cobrindo uma área de mais de 36 mil quilômetros quadrados, uma extensão maior do que o estado de Alagoas e superior ao território da Bélgica. O trabalho evidenciou a situação do Austrolebias quirogai, uma das 12 espécies de peixes anuais que estão entre os alvos do plano.

Predadores de insetos e larvas de mosquitos, os peixes anuais habitam ambientes aquáticos sazonais, áreas rasas e isoladas de rios e lagos. Diversas espécies povoam o Pampa, em um ciclo anual peculiar, que os tornam popularmente conhecidos como peixes do céu ou peixes das nuvens, vivendo apenas o suficiente para reproduzir, antes do período de seca. Os ovos destas espécies sobrevivem praticamente sem água, enterrados no substrato (em cascalho, argila, areia ou lama), para eclodirem quando o ambiente torna a alagar, no período chuvoso.

Entre as espécies de peixes anuais alvo do plano estão o Austrolebias arachan, que ocorre em poucas áreas alagadas temporárias no baixo curso da drenagem do rio Jaguarão Chico; o Austrolebias melanoorus, que ocorre em áreas úmidas nos municípios de Bagé, Candiota, Herval e Hulha Negra; e o Austrolebias juanlangi, que, no Brasil, ocorre nos municípios de Aceguá, Bagé, Jaguarão, Herval, Hulha Negra e Pedras Altas. Com ambientes drasticamente alterados pelo plantio de soja, estima-se que reste apenas uma população de Austrolebias quirogai íntegra no estado.

O coordenador técnico do Instituto Pró-Pampa (IPPampa), parceiro institucional do PAT Campanha Sul e Serra do Sudeste, Luis Esteban Krause Lanés, destaca que o esforço no sentido da conservação dos peixes anuais envolve demonstrar, aos produtores rurais, que a ocorrência das espécies não impacta a produção, principalmente por habitarem locais de tamanho reduzido. Lanés avalia que, de maneira geral, todo produtor que mantém pecuária em campo nativo, sem converter campo natural em pastagem, e nem realizar drenagens ou açudagens, já é um 'amigo dos peixes anuais'.


Na mira do extrativismo

Pavonia secreta integra lista de alvos do PAT / Foto: Bioma em foto, projeto desenvolvido pela professora Anabela S. de Oliveira Deble
Pavonia secreta integra lista de alvos do PAT / Foto: Bioma em foto, projeto desenvolvido pela professora Anabela S. de Oliveira Deble

A Petunia secreta, erva de flores com coloração purpúrea, é endêmica do Rio Grande do Sul, encontrada apenas no município de Caçapava do Sul. A exemplo da Pavonia secreta, planta arbustiva com flores solitárias de coloração rosa, encontrada nos municípios de Bagé, na região da Casa de Pedra, e de Caçapava do Sul, na área da Pedra do Segredo, a Petunia secreta também é restrita ao território do PAT Campanha Sul e Serra do Sudeste.

O extrativismo para comércio de plantas ornamentais é uma das principais ameaças à conservação da Petunia secreta. Sete espécies alvo do plano, aliás, estão ameaçadas pela prática, o que constituiu um desafio pontual. Urruth destaca que a atividade é ilegal, proibida por lei, e passível de autuação administrativa e de processo criminal. “O PAT pretende realizar esforços primeiramente para mapear e compreender quais são os atores que participam desse mercado ilegal: quem extrai, para quem e onde ocorre a venda”, pontua.

O diagnóstico é fundamental para a definição de prioridades e ações de combate ao extrativismo, envolvendo, inclusive, um reforço no sentido da fiscalização. “Qualquer ação complementar, como eventualmente o incentivo ao cultivo de plantas para que seja constituído um mercado positivo, que possa gerar renda e contribuir para a conservação das espécies, só pode ser considerado quando for bem compreendida a situação do extrativismo para cada espécie”, reforça Urruth.

Todo o esforço de preservação também pode ter, ao final, um reflexo positivo para a ciência, resultando na ampliação de pesquisas sobre a biologia básica das espécies, como aspectos reprodutivos. “Se conhece pouco sobre a autoecologia e a história natural de muitas espécies alvo do PAT. Também por isso o PAT é tão importante”, avalia o coordenador.

Galeria de Imagens
Leia também em Região
PLANTÃO 24 HORAS

(53) 9931-9914

jornal@minuano.urcamp.edu.br
SETOR COMERCIAL

(53) 3242.7693

jornal@minuano.urcamp.edu.br
CENTRAL DO ASSINANTE

(53) 3241.6377

jornal@minuano.urcamp.edu.br