A guerra e a proteção da família
A doutrina atribui ao Código Lieber, elaborado a pedido do presidente Abraham Lincoln por ocasião da Guerra da Secessão (1861-1865), um dos primeiros regramentos para coibir a violência nos conflitos armados. Segue, depois, apreciável quantidade de Declarações, Convenções, Pactos, Protocolos, Estatutos, Resoluções, Cartas e Códigos que buscam mitigar os deletérios efeitos das refregas entre nações.
A Carta da ONU, o Tribunal de Nuremberg; os Atos em Proteção aos Direitos Humanos; as Cortes para apreciar suas violações; a benemérita atuação da Cruz Vermelha; um Tribunal Penal Internacional (Roma) e a gênese de um Direito Internacional Humanitário, entre outras causas, viriam a conferir maior apoteoso, e valoração, ao princípio solar da dignidade da pessoa humana.
Saliente-se, contudo, que esse direito humanitário não tem a pretensão de “suavizar” a “guerra justa”, mas obstar que as partes em dissenso atuem com “crueldade cega e implacável”, propiciando que as pessoas sem envolvimento direto não venham a sofrer os “danos colaterais” de que fala Bauman. Ressalte-se que o surgimento do direito humanitário não mencionava a “população civil”, ainda na vã ingenuidade de que o conflito se limitasse às forças armadas. O tempo demonstraria que, depois a Espanha, Coréia, Vietnã, Síria, entre outros exemplos, a tecnologia bélica não pouparia o sofrimento de outros pelo emprego de armas sofisticadas para matar, gases tóxicos, fragmentação das bombas, uso de recursos bacteriológicos, armadilhas, explosivos destruidores, etc.
Há numerosos documentos que tentam proteger os direitos fundamentais, especialmente a IV Convenção de Genebra e outros protocolos que cuidam do amparo de feridos, prisioneiros combatentes ou não, enfermos, inválidos, idosos, crianças, mulheres grávidas e mães dos menores que devem ser evacuados para zonas neutras.
A Convenção dedica especial atenção à família, autorizando o intercâmbio de notícias entre seus membros; restabelecimento de casais separados. Adoção de medidas para afiançar a vida de crianças menores que quinze anos, órfãs ou de pais separados. Respeito à pessoa, honra, e aos direitos de família. Arrimo para as convicções e práticas religiosos, proibindo atitudes que provoquem intimidação ou insultos. Vedação de coação física ou moral, a intimidação ou o terrorismo, veto à transferência forçada ou deportações, sendo certificados os serviços de alimentação, saúde, médicos ou hospitalares. Também respeito ao devido processo legal, com direito de defesa e provas. A manutenção no território ocupado. E preservação da subsistência pelo próprio trabalho que não será dificultado. Preservação do patrimônio e outras cauções pessoais e familiares. A lista é longa.
Contudo, o dramático panorama ucraniano, depois do conhecimento de cânones tão eloquentes, confirma afirmação do diplomata Jean Fernandes, para quem nestes conflitos, o direito permanece apenas no plano do dever ser, portanto um ideal que será logo abatido pela dura realidade. Que pena.
José Carlos Teixeira Giorgis | Desembargador aposentado e Diretor do Memorial do Judiciário.