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Peixe raro coloca Bagé no mapa dos sítios de espécies ameaçadas de extinção

Publicada em 29/06/2019
Peixe raro coloca Bagé no mapa dos sítios de espécies ameaçadas de extinção | Cidade | Jornal Minuano | O jornal que Bagé gosta de ler
Austrolebias vazferreirai pode chegar a 10 centímetros de comprimento

Por Sidimar Rostan

Restrita a uma área estimada em 3.669 hectares, a espécie Austrolebias vazferreirai corre risco de desaparecer, em solo brasileiro, antes mesmo de ser estudada, com profundidade, por pesquisadores. Ameaças ao habitat natural do pequeno peixe das várzeas comprometem o desenvolvimento das raras populações já identificadas na região da Campanha gaúcha. Motivada justamente pelo contexto adverso, a inclusão da bacia do arroio Bagé na lista de Sítios da Aliança Brasileira para Extinção Zero (Sítios-BAZE, na sigla em inglês), formalizada pelo Ministério do Meio Ambiente, representa um passo importante no sentido do planejamento de ações para preservação.
O peixe não é registrado em nenhuma unidade de conservação. Também não existem dados concretos sobre tamanho populacional. O Austrolebias vazferreirai é considerado raro, na classificação estabelecida pelo Livro Vermelho da Fauna Brasileira Ameaçada de Extinção, atualizada em 2018, por ser encontrado em apenas uma localidade e estar exposto a alto grau de supressão de seus habitats. A coleta que deu origem ao primeiro registro data de agosto de 2000. Em 2013, novas campanhas de coleta, realizadas por técnicos do Instituto Pró-Pampa (IPPampa), Organização Não-Governamental (ONG) que desenvolve projetos de pesquisa voltados à conservação da biodiversidade, registraram subpopulações.
O coordenador do IPPampa, Matheus Volcan, é categórico ao explicar que a manutenção da espécie depende de ações efetivas. “É correto afirmar que pode ser extinta antes de estudarmos mais a fundo, já que poucas populações são registradas no Brasil, e todas na região de Bagé”, alerta, ao reforçar que a perda de habitat pode significar a extinção. “No Uruguai (onde também já foram registradas), as populações são mais saudáveis e ocorrem em áreas mais bem preservadas. Mesmo assim, também é uma espécie considerada ameaçada de extinção. No Brasil, é necessário que se dediquem esforços para preservá-la, já que as populações foram encontradas em áreas que estão constantemente sofrendo processo de degradação por atividade agrícola ou expansão urbana”, relaciona.

Ciclo pequeno                                                                                                     

Exemplares catalogados foram encontrados em áreas às margens da rodovia (Foto: Matheus Volcan/Especial JM)

Austrolebias vazferreirai vive em poças rasas, de águas frias e com vegetação densa. Seu ciclo de vida é pequeno e bem definido. “Isoladas dos rios, as poças são formadas pela chuva, entre abril e dezembro, período de menor temperatura e maior precipitação. Esses peixes habitam áreas temporárias, que secam totalmente. É um ambiente muito peculiar para um peixe”, pondera Volcan, ao salientar que, para sobreviver, o Austrolebias vazferreirai depende de condições naturais. “Os peixes depositam os ovos no lodo, no substrato do charco. Quando a poça seca, toda população morre, mas os ovos permanecem enterrados e sobrevivem ao período de seca. O charco passa por três a cinco meses seco e, quando alaga, no período chuvoso, os ovos eclodem e um novo ciclo surge novamente. Por isso são chamados peixes anuais”, detalha.
O IPPampa, através do projeto Peixes Anuais do Pampa, iniciado em 2011, com patrocínio da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza, realizou um levantamento, em todo o Rio Grande do Sul, identificando espécies de peixes anuais. Volcan salienta que o trabalho registrou os exemplares do Austrolebias vazferreirai, em Bagé, mas não desenvolveu estudos específicos sobre o pequeno peixe. “Trabalhamos em um mapeamento das espécies, identificando onde ocorrem e por onde elas se distribuem. O foco principal é identificar as áreas. Não existe um projeto para preservar especificamente esta espécie”, destaca. Os pesquisadores já sabem, porém, que o Austrolebias vazferreirai tem papel importante no equilíbrio do meio ambiente. “Esses peixes são predadores de insetos e larvas de mosquitos. Apesar de pequenos (alcançando, no máximo, 10 centímetros de comprimento), e de viverem um período muito curto, eles controlam toda a comunidade de fauna que existe nos charcos”, detalha.

Relevância geográfica
Mais do que um ponto, com extensão de 3.669 hectares, no Mapa dos Sítios da Aliança Brasileira para Extinção Zero, instrumento de gestão desenvolvido pelo Ministério do Meio Ambiente, em parceria com a Fundação Biodiversitas, a região de Bagé representa uma área prioritária para preservação, por ser refúgio da espécie, classificada como Criticamente em Perigo, pelo Livro Vermelho da Fauna Brasileira Ameaçada de Extinção. O Mapa de Sítios-BAZE, como foi batizado, deve nortear investimentos, estratégias de conservação e políticas públicas voltadas à proteção da biodiversidade, o que inclui o Austrolebias vazferreirai.
O pesquisador do Museu de Ciências Naturais, Marco Aurélio Azevedo, esclarece que a avaliação da fauna ameaçada de extinção no Rio Grande do Sul foi coordenada pela Fundação Zoobotânica, com o aval da Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Infraestrutura. “A lista de espécies tem sido amplamente utilizada, inclusive, em processos de licenciamento ambiental, mas, a respeito de ações de manejo ou preservação da espécie Austrolebias vazferreirai e de seus habitats em Bagé, desconheço qualquer iniciativa”, reconhece.
As regras sobre captura, transporte, armazenamento, guarda e manejo de exemplares da espécie estão definidas, privilegiando a pesquisa, mediante autorização do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). São os habitats que ainda carecem de maior atenção, no sentido do resguardo. Azevedo afirma que a apreensão com as áreas de ocorrência do pequeno peixe realmente ainda não refletiu em ações práticas de conservação. “Quanto à preocupação pontual com as várzeas, certamente ela existe, já que esse é o único remanescente de habitat da espécie no Brasil e está suscetível a alterações nas suas características naturais, embora não se possa dizer que essa preocupação tenha efetivamente gerado alguma medida protetiva específica”, pontua.

Habitat ameaçado

Importante para economia, orizicultura representa ameaça para habitats naturais (Foto: Tiago Rolim de Moura)

A perda e a fragmentação, causada especialmente pela agricultura, é apontada como principal ameaça para o habitat do peixe. “A informação que levantamos em campo é a de que a população identificada está rodeada por plantações de arroz. O plantio é problemático para as áreas úmidas, porque, para se plantar, muitas vezes, essas áreas têm que ser drenadas. Isso acaba modificando toda a hidrologia do ambiente e acarreta problemas para a população da espécie”, exemplifica Volcan. Pesquisas também apontam os barramentos de cursos de água como impactos preocupantes. “Se formar uma grande barragem, e ela abranger o brejo, onde estão as poças, isso vai causar a extinção da população da espécie, uma vez que ela precisa que o ambiente seque”, observa.
A produção de arroz é uma atividade importante para a pauta econômica de Bagé. O cereal representa mais de 11% do volume de exportações registrado pelo município, entre janeiro e maio de 2019 (movimentando 1,9 milhão de dólares, no período), de acordo com balanço do Ministério da Economia, Indústria, Comércio Exterior e Serviços. A área colhida totalizou 8.888 hectares, na safra 2018/2019, segundo levantamento do Instituto Rio Grandense do Arroz (Irga). E o manejo da água é crucial para a lavoura. Para minimizar danos ambientais, os empreendimentos de irrigação estão submetidos aos procedimentos de licenciamento dispostos em resoluções do Conselho Estadual do Meio Ambiente. A fiscalização das normas é feita pela Fepam. A captação da água também obedece a legislações rígidas.
Responsável por emitir outorgas para utilização de recursos hídricos sob o domínio da União, a Agência Nacional de Águas (ANA), efetivou, entre 2008 e 2019, 30 autorizações para agricultores de Bagé. Todas as outorgas locais, associadas a empreendimentos de irrigação para lavouras de arroz localizadas na região da bacia do Rio Negro, que avança ao Uruguai, têm prazos definidos. Dezessete expiraram e 13 continuam em vigência, com vencimentos programados para 2025, 2026, 2027 e 2028. Entre as outorgas em vigor, 10 utilizam a inundação temporária (diques em desnível) como método de irrigação e três receberam autorização para inundação permanente (diques em nível).
A evolução das áreas alagadas pode ser mensurada com a ajuda de imagens de satélite, disponibilizadas pelo Projeto MapBiomas, iniciativa multi-institucional para gerar mapas anuais de cobertura e uso do solo a partir de processos de classificação automática. Os levantamentos revelam que a área coberta por culturas anuais, no município, passou de 38.605,04 hectares, em 2015, para 51.572,45 hectares em 2017. No mesmo período, a área alagada passou de 5.343,76 hectares para 5.483,38 hectares. O volume representa rios, arroios, barragens e açudes utilizados para captação de água e irrigação.
A exemplo das federações e associações que representam os agricultores, o Irga, autarquia administrativa do Estado, que atua na promoção do desenvolvimento sustentável do setor orizícola, não recebeu qualquer orientação sobre a ocorrência do Austrolebias vazferreirai. Através de nota, o Instituto informa que “estimula as boas práticas ambientais por meio da concessão do Selo Ambiental da Lavoura de Arroz Irrigado do Rio Grande do Sul, que visa reconhecer os produtores cujos manejos da lavoura e da propriedade rural estejam em conformidade com a legislação ambiental”. Na prática, entretanto, mesmo que os produtores cumpram todas as normas vigentes, os locais onde a espécie é registrada não possuem proteção legal exclusiva e, por isso, podem ser suprimidos pela orizicultura e açudagens.

Alternativas para conservação

Mapa de Sítios-BAZE deve nortear estratégias de conservação e políticas públicas voltadas à proteção da biodiversidade

Encontrada em áreas privadas e na faixa de domínio da RB 153, em Bagé, o Austrolebias vazferreirai não deve ser preservado apenas com a força das normas ambientais em vigor. “Um acidente com carga tóxica, por exemplo, pode acarretar um derrame, extinguindo uma população inteira. As várzeas são áreas de preservação permanente, protegidas por lei. Mas como passam por período de seca, esses ambientes acabam sendo muito negligenciados. Para conservar a espécie, seria necessária uma estratégia exclusiva”, avalia Volcan.
Além da proteção dos habitats, o próprio Livro Vermelho da Fauna Brasileira Ameaçada de Extinção aponta, como medida para viabilizar a conservação da espécie, a busca por "novas subpopulações em estudos de impacto ambiental para empreendimentos que venham a se instalar na região (a exemplo da irrigação para lavouras de arroz), evitando a supressão das áreas úmidas". Reforçando a opinião de especialistas, a publicação oficial salienta, ainda, que "estudos de viabilidade populacional e de aspectos bioecológicos também são imprescindíveis para auxiliar em planos de conservação".
A ocorrência de populações, em Bagé, já é considerada pelo Zoneamento Ambiental para a Atividade de Silvicultura, que norteia o desenvolvimento do setor no Estado. O professor do Programa de Pós-Graduação em Biologia Animal, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Luiz Roberto Malabarba, que também estudou o peixe, destaca o esforço do ICMBio na avaliação das espécies ameaçadas, na atualização de listas oficias como instrumento de gestão de políticas públicas de preservação e em projetos de conservação, a exemplo do Plano de Ação Nacional para a Conservação dos Peixes Rivulídeos Ameaçados de Extinção (PAN Rivulídeos). “Infelizmente, a espécie Austrolebias vazferreirai não faz parte desse plano”, lamenta. Existe, contudo, a perspectiva de um futuro com novo cenário.
A legislação atribui à Secretaria de Meio Ambiente e Infraestrutura a função de estabelecer medidas para a conservação, em especial das categorias criticamente em perigo. Executado pela pasta, no âmbito do Rio Grande do Sul, o Projeto Estratégia Nacional para Conservação de Espécies Ameaçadas de Extinção (Pró-Espécies), representa uma alternativa para o Austrolebias vazferreirai. A iniciativa criada para minimizar os impactos sobre as espécies ameaçadas no Brasil tem o Funbio como agência implementadora, o WWF-Brasil como agência executora e conta com doação do Fundo Global para o Meio Ambiente (GEF). O programa já estabeleceu 24 territórios potenciais para atuação, sendo quatro no estado do Rio Grande do Sul.
Azevedo explica que um dos territórios estabelecidos contempla o Austrolebias vazferreirai, incluindo o Sítio-BAZE do arroio Bagé, considerado como área prioritária para a conservação. “Existem grandes possibilidades da espécie ser beneficiada por ações de conservação específicas”, adianta. Sem estabelecer prazos, o diretor do Departamento de Biodiversidade da Secretaria do Meio Ambiente e Infraestrutura, Diego Pereira, assegura que, através do Pró-Espécies, além da recuperação das condições ambientais, podem ser desempenhadas, na região, atividades educativas, de divulgação e de conscientização, orientações para agricultores e órgãos de licenciamento ambiental.

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