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Colunistas

Guilherme Collares

  • Professor de Medicina Veterinária na Urcamp | Doutor em Parasitologia
  • guilhermecollares@hotmail.com

Straight Flush

Em 04/05/2024 às 17:09h, por Guilherme Collares

Mingo Paiva ficou órfão aos doze anos e se criou nas ruas, onde sempre prevalece a lei da selva. Tinha algo por dentro que o destacava, uma capacidade sem igual para a dissimulação.

Guri, começou a bater carteiras, observando os mestres. Com quinze anos dominava todos os jogos de baralho usuais, principalmente o poker. Aprendera a contar as cartas, sabendo perfeitamente o que poderia acontecer no pano verde. Na cancha de osso existe dia de sorte e de azar; quando é sorte, se topa qualquer parada; quando é azar, abandona-se a cancha. Daí, um pulo aos golpes mais elaborados.

Alto, magro musculoso, trigueiro, cabelos castanhos e um bigode fino sobre os lábios carnudos. Olhos negros, vazios como os de um tubarão. Roupas da moda. Nos salões não ficava sozinho, total autoconfiança. Mulheres caíam aos seus pés. Nunca se apegava.

Não se pode ter empatia. “Ou tu é sorro ou tu é cordeiro”. Não se perde oportunidade. A regra é fazer dinheiro e guardar. Quando o jogo e os golpes ficam manjados, se muda de freguesia. Outra regra, dinheiro em papel não vale nada, se gasta. O que se guarda é ouro. Com pouco mais de vinte anos, Mingo economizara cem libras esterlinas, que carregava em uma pequena caixa de madeira, cerrada com um cadeado. Em cada lugar que chegava, preocupava-se em enterrar o butim. Às vezes levantava as tábuas do assoalho do próprio quarto.

Havia chegado à estação de Cruz Alta há pouco mais de mês. Hospedara-se no Hotel dos Viajantes. O salão da moda era a pensão da Ofélia. Ali se jogava de tudo. A pensão oferecia a freguesia ideal para um primeiro momento. Estancieiros metidos a bons no carteado. Mingo teria mais ou menos um mês de vacas gordas, até que fosse identificado como “calaveira”. Então, aplicaria um bom golpe e deixaria a cidade.

Na pensão, uma moça se destacava pela beleza. Cantava e dançava. O corpo, como as estradas sinuosas da subida da serra. Os cabelos negros, presos num coque, deixavam entrever uma penugem clara no pescoço longo, adornado por uma fita de veludo negro com um camafeu.

Num final de noite, notou que ela conversava animada com um conhecido estancieiro da região. Como um gato hipnotiza um pássaro, ela entretinha o homem, que já andava no final de uma garrafa de whisky. Da mesa de jogo, Mingo Paiva examinava aquele jogo de sedução, quando notou a mão da moça no casaco do freguês, e a carteira caindo ao chão. Levantou-se de um salto quando o homem segurou a mão da moça.

- Mas o que tu quer fazer, rapariga? Tu quer me roubar, é?

- Cavalheiro, com sua licença. Desculpe importunar.

- Mingo Paiva interpôs-se entre os dois e, levantando a carteira do chão: - O senhor deixou cair sua carteira.

- Essa puta safada estava tentando me roubar!

- Não, senhor. Eu vi quando sua carteira caiu do bolso e levantei para lhe alcançar. A moça não fez nada, eu lhe garanto.

Ante a situação inusitada, o homem atônito, olhando de um para outro e para a carteira, tomou-a da mão do Mingo. Passado o sufoco, foram sentar-se a um canto do salão, a moça visivelmente nervosa.

- Então, onde foi que eu errei? - Perguntou a Mingo, com os olhos baixos.

- Primeiro, o local. Esse tipo de ação não se realiza onde se trabalha. Segundo, o homem parece ser esperto e não estava suficientemente bêbado. Tiveste muita sorte de ele não ter insistido.

- Por que o senhor me ajudou? - Seus olhos verdes encontraram o vazio escuro dos olhos de Mingo Paiva e ele sentiu um calafrio.

- Pois eu não faço a menor ideia. Simplesmente reagi, e não sou assim.

- Não pense que sou prostituta só porquê trabalho aqui. Não espere favores.

- Jamais! Apesar de patife, sou um cavalheiro. Senhorita?…

- Anete. Eu lhe conheço.

- É mesmo, de onde?

Abriu um sorriso revelador, retirando uma mecha de cabelo do rosto. - Eu era corista e bailarina de Madame Du Pont. Várias vezes o vi, em diferentes locais, na mesa de jogo e em outras atividades.

- Mas e como eu não lembro da senhorita? - O encantamento dele por aquele pescoço longo crescia cada vez mais.

- Ah, isso é fácil. A grande maioria das pessoas lembra das cantoras, poucos prestam atenção nas dançarinas.

E por aí seguiu a conversa, quase até o clarear do dia, quando se despediram e combinaram de se encontrar na próxima noite.

As semanas seguintes, passaram juntos, no salão. Conforme crescia a intimidade, e como ela fizesse perguntas específicas da profissão, iniciou-se uma relação do tipo mestre-discípulo. Ele começou a lhe ensinar a magia de contar as cartas no poker. A aluna aprendia muito depressa. Uma coisa levou à outra e ela terminou por se mudar para o quarto dele no Hotel dos Viajantes.

Nunca havia experimentado o que sentia por Anete. Podia passar horas e horas olhando aqueles olhos verdes profundos, brincando com o contorno de seus seios perfeitos. Quando a moça descansava os cabelos em seu peito, o mundo parava.

Mingo contou-lhe que pensava em parar com aquela vida. Cansara da estrada. Tinha economias para montar um negócio, quem sabe um salão. Já havia escolhido a cidade, Caxias do Sul, na serra. Nunca havia aplicado golpes naquela região e a cidade crescia rápido, com grandes oportunidades de trabalho honesto. Numa das tantas madrugadas em que conversavam, tomou coragem e convidou-a para viverem juntos, longe da vida de perigos.

- Tu tá falando sério, Mingo? Tu nem me conhece direito.

- Pois tenho a sensação que te conheço de uma vida inteira.

- É claro que eu aceito. Eu também te amo, com todo meu coração.

- Então, está resolvido. Mas precisamos aplicar um último golpe. Se eu juntar mais umas dez libras de ouro, terei o suficiente para nosso negócio. Eu já tenho ele preparado na cabeça e vou precisar da tua ajuda. Arriscado, mas vai dar certo. Tu já viu lá no salão o tal do João Ferreira, estancieiro forte, montado nos cobres?

- Sim. Aquele senhor bem-apessoado que bebe pouco e assiste as apresentações.

- Vai lá só pra te ver. O caso é que ele, por si, não tinha nada na vida. Era capataz da estância. Os campos eram da viúva Miranda, que se apaixonou por ele. Diz que ela morre de ciúmes e que eles tem um contrato, firmado em cartório. Ele perde tudo em caso de infidelidade. Então, tu seduz o trouxa e, quando forem pro quarto, antes que a coisa se consuma, eu entro com um fotógrafo. Ele vai pagar o que a gente pedir pra foto não parar nas mãos da esposa.

- Ai, Mingo. Eu não quero dormir com esse homem. Eu sou tua.

- E não vai. Confia em mim, meu amor. Já escrevi pro fotógrafo. Chega semana que vem. Se tu não quiser, sem problemas, vou ter que achar outra.

- Não. Eu faço. Confio em ti.

Na semana do golpe, alugaram uma casa perto da estação, onde ficaria o fotógrafo. Conforme planejado, após a apresentação, Anete desceu do palco e sentou ao lado de Ferreira. O assunto não tardou a surgir. Ele se desmanchava em mesuras, enquanto Anete fingia resistir à corte. Enfim, encontro marcado para sexta à tarde, numa casa nos arrabaldes. Um auto de praça pegaria a moça no hotel, tudo com a maior discrição.

Como esperado, Mingo e o fotógrafo, escondidos no pátio da casa, irromperam quarto a dentro, os dois na cama e a moça com os seios desnudos. Foto perfeita. Anete fugiu, melindrada. Ferreira, enrolado no lençol, em estado quase apoplético, quis esbravejar. Mingo fez-lhe sinal que esperaria na sala. Sentado em uma poltrona, acendendo um cigarro, enquanto Ferreira ajustava os suspensórios, Mingo exigiu dez libras esterlinas em ouro, para a tarde próxima, na praça central da cidade. O homem, humilhado, sequer regateou.

Devidamente pago, o fotógrafo saiu da cidade no trem da noite.

Já na casa alugada, próxima à estação, Mingo e Anete seguiam tensos.

- Meu amor, agora é imperativo seguir o plano. Amanhã encontro o trouxa na praça e depois, pegamos o trem das cinco. Já tenho as passagens. Por precaução, vou dizer ao Ferreira que a foto foi postada no correio e mostrar o recibo. Vai chegar na casa dele. Não vai ter outra opção, senão entregar o dinheiro. Não podemos facilitar, pois ele vive aqui.

- Sim, meu bem.

Acordaram tarde. Mingo saiu após o almoço. Havia combinado o encontro às duas horas. Na praça, escondeu-se atrás de um grande plátano. Ferreira chegou no horário aprazado, trazendo consigo um pequeno saco de moedas. Como essas transações não exigem muitas palavras, o falsário mostrou-lhe o recibo do correio, com a carta a ser entregue à manhã seguinte. E que não o procurasse, pois tinha cópias da foto.

Com uma batida na aba do chapéu, deixou o pobre logrado pensando em como iria manejar a chegada do carteiro em sua casa.

Sonhando com a nova vida, correu ao encontro de Anete.

Entrou suado, chamando por ela. Como não houve resposta, foi ao quarto. Um bilhete sobre a cama. Leu sofregamente, e abalou-se à estação. O trem das três horas tomava velocidade. Avistou a moça no último vagão, abanando com a mão enluvada e a pequena caixa de madeira na outra.

Naquele instante em que se sente a perda... no exato momento em que se compreende que foi passado pra trás, as pessoas reagem de formas diferentes. Há os que ficam pasmados, sem saber o que fazer, esperando o trem da vida voltar à estação; há os que ficam furiosos, esbravejando e soltando impropérios, ou mesmo chutando qualquer coisa que lhe passe à frente; também os que ficam desconsolados, chorando ou gritando.

Isso acontece com pessoas normais, não acostumadas ao engodo. Já o enganador, aceita sem angústias, mesmo com um sentimento de respeito ao colega. E foi com um sorriso cínico que Mingo Paiva acenou à moça que se distanciava. Logo ele, um dos maiores patifes da região, ignorou a regra de ouro e pagou o preço.

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