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Colunistas

Guilherme Collares

  • Professor de Medicina Veterinária na Urcamp | Doutor em Parasitologia
  • guilhermecollares@hotmail.com

Como se nada

Em 04/05/2024 às 17:10h, por Guilherme Collares

Trinta anos se passaram desde os tempos do relato. Não havia mais rancho, apenas o sinal dos alicerces e o poço, capturando sóis e luas e estrelas em sua câmera aberta. Os gados ali pastavam e as ovelhas faziam o local de parador. O umbu ainda dava sombra e nele, os sabiás exerciam sua cota de cantos. Da sepultura não havia mais sinal, os trevos e a grama-forquilha taparam o local completamente. Nem sinal da cruz de coronilha que os gados derrubaram e o tempo comeu.

Quando Ponciano apeou, a mente forcejou no tempo, reconstruindo a imagem do rancho. Sabia bem o lugar da sepultura, pois havia plantado aquela flor indesejada. Ali ajoelhou e colheu um trevo-de-cheiro. Teve a impressão de outros tempos, quando aquele lugar era diferente. Não sentiu saudade ou nostalgia. A indiferença era seu dom.

Silvina era a morena mais linda daquelas bandas. Vivia com a mãe, Ernestina, naquele rancho. O pai havia morrido no Paraguai, acompanhando o caudilho daquelas redondezas. As duas lavavam roupa pro pessoal da estância, faziam doces e assim mantinham o sustento naquele posto esquecido. Ernestina era benzedeira e parteira reconhecida nos pagos, mulher de respeito, muito requisitada. A filha era o perigo em formato de gente e não havia macho naquelas paragens que ela não trouxesse a cabresto pela trança dos carinhos, sem jamais espantar de todo ou se entregar também. Ninguém sabia se ela jamais gostou de algum. O certo é que se entretinha naquele jogo de bem-me-quer arriscado. Mais de uma vez algum facão se cruzou no bolicho do Marcelino, em alguma carreira em que a Silvina estivesse com a mãe. Ernestina a repreendia, dizia da imensa tragédia que podia advir de tal comportamento. Em vão. Apenas Ponciano era imune a seus encantos. Por mais que a moça lhe jogasse olhares, permanecia impávido e sempre indiferente. Também gostava daquele jogo perigoso. Era um domador de mão-cheia, afamado na região.

Gaúcho de lei: sabia de cordas e de tranças, laçador bastante regular e peão de confiança da Estância do Salso. Ademais, nos bailes do bolicho, dançava até o raiar da aurora e com todas as moças que ali estavam. Em mais de uma feita Silvina se viu preterida após duas ou três marcas e lá ia Ponciano dançar com alguma muito menos linda do que ela. Por mais que tentasse alcançar a chama de seus brios, o moço sempre escapava.

Depois de alguns meses, a situação começou a virar uma doença na cabeça de Silvina. Cada vez mais atiçava seus encantos contra ele. Ao ponto de tentar roubar-lhe um beijo atrás da copa do baile, em situação de todo invertida aos costumes da época. Sempre a esquiva:

- Não faz isso com vossa mãe, menina, ela não merece.

- Tu não me acha bonita, Ponciano?

- Acho, sim. Mas a vida tem dessas coisas.

Silvina começava a minguar a olhos vistos, enquanto a mãe, preocupada, não entendia como aquilo chegara a tal proporção.

- Silvina, o Lautério apeou no umbu, diz que veio te visitar. Me pediu permisso pra te ver. É um rico moço trabalhador, filho da comadre Lúcia. Eu disse pra ele que tu já levava um mate.

- Então desdiga, mamãe. Não quero saber desse tipo.

- Mas minha filha, é um moço de bem e trabalhador. Até quando tu vai ficar nesse chove-não-molha por causa do Ponciano?

- Até que ele me queira.

Lá ia a pobre velha despionar o preterido. Até que um belo dia de primavera, comadre Lúcia em visita ao rancho, por despeito ou propósito, afirmou que Ponciano andava de namoro fechado com a Tilica, filha do compadre Antonio, outro posteiro da estância. Ao que a Silvina se pôs como louca. Numa passada do Anterinho, um guri criado guacho, carreteando lenha pra estância, pediu a este que dissesse a Ponciano para vir ao rancho ter com ela, pois necessitava uma conversa urgente. Passou-se uma semana e nada. A moça quase não comia. Ernestina preocupada.

Em nova passada do Anterinho, juntando ovelha, a pergunta da moça, se havia dado o recado e, à resposta afirmativa, pedia mais uma vez que Ponciano visitasse o rancho, pois tinha pressa em lhe falar.
Mais uma semana de espera e a própria Ernestina pedia ao Anterinho, em nome dela, que chamasse mais uma vez Ponciano ao rancho. Naquela noite, quando a lua saiu de madrugada, Silvina saiu  também. Com o sovéu de atar os terneiros pra tirar leite, o olhar esgazeado, procurou o galho mais alto do umbu. Ali resvalou-se para o abismo.

Ponciano saiu cedo da estância. Não responderia aos apelos da moça, mas ao da mãe não podia silenciar. Na cerração da manhã não divisou sombra nem vulto até chegar ao umbu. Silvina balançando ao vento e Ernestina caída rente ao tronco. Apeou e maneou o redomão assustado, longe da cena. Como a velha já estivesse gelada, cortou a corda da moça. Buscou uma pá no rancho e começou a cavar ali mesmo, quase ao pé da imensa árvore, onde as deixou lado a lado. Foi no mato da sanga e cortou e falquejou uma cruz de coronilha. Depois pegou rumo da fronteira, temendo que o culpassem pelo acontecido. Não tinha família, nem ninguém por ele. Não faria falta. E foi assim que, trinta anos após, voltou. Como no dia do acontecido, não derramou uma lágrima sequer.

A indiferença era seu dom.

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