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Colunistas

Guilherme Collares

  • Professor de Medicina Veterinária na Urcamp | Doutor em Parasitologia
  • guilhermecollares@hotmail.com

Quarenta e quatro

Em 04/05/2024 às 17:10h, por Guilherme Collares

- Não seria por desfeita, mamãe. Ainda mais um presente daqueles.

- Mas, meu filho, é pra tua proteção. Vem da tua madrinha. O revólver do teu padrinho. Ele ganhou quando se reformou coronel, lá no Rio. Tua madrinha guardou com todo carinho pra ti.

- Mas o que os primos vão dizer. O Manduca já me falou várias vezes do revólver e do quanto ele espera que a madrinha deixe pra ele. O Antonio também, que eu sei.

- Ela quer que fique contigo. Tu sempre foste o mimoso deles. Se os primos não fizeram por merecer, não é culpa tua. Pelo menos escuta o que ela quer te dizer e, se assim mesmo tu ainda não quiser, eu te apoio na decisão.

- Meu sobrinho e afilhado querido, vim te trazer o revolver do teu tio. Não aceito não como resposta e já vou te contar porquê. Logo antes de morrer do coração, teu padrinho me deu ordem expressa do revolver dele ficar contigo. Parece até que adivinhava que não ia durar muito, o pobre. Ele sabia ver as pessoas, meu filho. Não te esquece de quando tu ia passar o verão conosco no Rio. Teu padrinho te levava pra academia. Tu tinha doze anos e já atirava melhor que muito soldado velho. Ele ficava num contentamento só. Te apresentou pra todos os oficiais, amigos dele. Tua mãe me contou que estás zeloso por causa dos teus primos. Eles que fiquem como quiserem ficar. Quando viemos de muda pro sul, quem é que passava as tardes tomando mate com ele e conversando sobre as revoluções? Quem é que não saiu da volta do leito quando ele adoeceu pra morrer? O único desgosto que deste pra ele foi por não seguires a carreira militar. Mas, ao mesmo tempo, ele entendia que, como filho único, tinhas que cuidar os campos da tua família. Se Deus quiser, essa revolução termina ligeiro. Não acredito que o Doutor Borges permita que isso se prolongue por muito tempo. Pelo sim, pelo não, revolução é guerra como qualquer outra. Sem mais conversa, aqui te deixo o revolver. E te lembra do que ele sempre dizia: Ninguém morre antes da hora. Mas, se for pra morrer, leva um punhado junto contigo.

- Deixa ver o teu revolver, primo Miguel. Se não é uma maravilha de arma. Nagant, fabricado na Bélgica. Munição original 11 milímetros, mas calça o nosso 44. Ainda guarda a marca “GB”, Governo do Brazil. Argola no cabo pra correia de segurança. Que beleza, primo. Que lhe sirva bem e não tenha que fazer uso.

- Gracias, primo. Se Deus quiser, saímos dessa sem morrer e nem matar ninguém.

- Eu não tenho problema em ver maragato morrer. Por mim, pelava todos. E as famílias que se mudassem pro Uruguai.

- Pois é, primo Duca. Essa revolução já anda pior do que deveria. Mas penso que tem gente boa dos dois lados. Olha o caso do Antonio. Por acaso tu matava nosso primo se te topasse numa volta com ele?

- Olha, Miguel. A sangue frio, penso que não. Mas numa carga ou num tiroteio, bem que me agradava experimentar esse teu 44 nos corno daquele maragato.

- Tenentes Oliveira. Manduca e Miguel. Vou destacar os pelotões de vocês pra descobrir a força do Zeca Neto. Minhas ordens são de defender a estação do trem, custe o que custar. Não preciso dizer da importância dessa posição militar. É só o que impede o avanço dos maragatos em direção a Bagé. A última informação veio das Palmas, que o Zeca acampou lá anteontem. Como ele se desloca só de noite, não duvido que já não nos ande pela volta.

- Muito bem, coronel. Mas se o senhor nos permite, vamos só eu e o Manduca. O pelotão se desloca devagar e dá muito na vista. Nós dois somos vaqueanos daqui e podemos descobrir a força do Neto com mais facilidade.

- Mas e se descobrem vocês antes? Seguro que degolam os dois. Que tu acha, Manduca?

- Eu acho bem o que o Miguel disse. Prefiro andar pelos arroios e sangas do que a descoberto com os pelotões. Além do mais, se a avançada deles enxerga esse monte de gente nossa, pensa que o grosso da nossa força vem logo atrás. O Neto não vai querer dar combate. Se nos acham só os dois, podemos dar fuga sem entregar nossa posição. Me parece mais acertado.

- Então, está bem. Peguem provisão e saiam o quanto antes. Essa gente do Neto anda perto.

- Primo Duca, quero te pedir uma coisa. Em nome da nossa amizade, desde que somos pequenos.

- Fala, Miguel. Mas não te esquece de falar baixo. Desde que cruzamos o arroio do Tigre que me comicha o corpo todo. Um dos vaqueanos do Neto é o Antonio, e conhece isso aqui tudo igual a nós.

- É sobre isso mesmo, Duca. Quero que tu me prometa que não vais matar o Antonio. Nossa tia morre de desgosto.

- Mas, e se der entrevero? Se ele vier contra nós, como é que não vou me defender?

- Te garanto que ele não atira na gente. Me promete, Duca! Sei que tu é homem de palavra.

- Tá bem, Miguel. Eu prometo! Se ele não atirar na gente, eu também não atiro nele. Palavra é uma só e está dada. Agora fica quieto e presta atenção. Com a noite escura desse jeito se escuta ao longe.

- Tem dois ali adiante, na ponta da canhada que dá na sanga. Vem igual a nós, por dentro do mato.

- Como é que tu viu, Miguel? Eu ainda não vi nada. Mal clareou o dia.

- Um vulto cinza por dentro do mato. Te garanto que é gente deles. Olhá lá! E são dois.

- São dois mesmo. E aquele cavalo zaino é o do Antonio.

- Bueno, e o que fazemos?

- Eles não nos viram, Miguel. Estamos em vantagem. Não tem como sair daqui agora sem que eles nos vejam. O mais acertado é matar o companheiro do Antonio.

- E levamos ele conosco, de prisioneiro.

- Isso! Aparece só um de nós pra eles. Meio que chega perto. Eles não vão querer deixar escapar, porque daria a posição da força deles.

- Um de nós vai e o outro fica com as armas aqui na ponta da canhada.

- Eu atiro melhor, escondo meu cavalo na barranca da sanga e fico no mato. Quando tu passar correndo, atiro no cavalo do Antonio e no companheiro dele.

- Duca, não me agrada essa volta. Mas acho que não tem outro jeito. Não te esquece do que tu me prometeu!

- Alto lá! Faz fogo, Honório! Carrega! Aquele lenço branco não pode escapar de nós. É um só.

- Bueno, seu tenente Antonio, de mim não cuide, que se lo pego a cherenga resvala nas guela dele.

- O cavalo dele rodou na entrada da sanga, Honório, agora é só finalizar o serviço.

- Chega, primo Duca, meu cavalo foi baleado e me apertou.

- Calma, Miguel. O companheiro do Antonio já pelei e baleei o zaino dele também.

- Duca, me ajuda aqui, acho que quebrei a perna. O peso do cavalo tá demais.

- Vou ver o que foi feito do Antonio, já chego em ti. Aguenta um pouco mais.

- Vamo, Duca. Cada vez que o cavalo se debate, parece que me corta ao meio.

- Morreram os dois. O Antonio da rodada. Pelo visto quebrou o pescoço.

- Me ajuda, Duca, me puxa daqui.

- Me empresta teu revolver pra matar teu cavalo, Miguel. Fiquei sem bala!

 

“Hulha Negra, 2 de novembro de 1923.

Querida Tia Candoca.

Cumpro o doloroso dever de comunicar a morte do nosso querido Miguel.

Como a força do Neto seguia nosso rastro de muito perto e ficou só o meu cavalo vivo, enterrei o Miguel em local conhecido para poder recuperar o corpo.

Fomos destacados, eu e ele, para descoberta das forças do general Zeca Neto. Quando nos topamos, houve tiroteio cerrado. Éramos dois contra dois. Um dos outros era o primo Antonio. Eu matei o companheiro dele e ele atirou no Miguel a sangue frio. Não tive outra escolha a não ser fazer fogo e matar aquele desgraçado.

Lhe juro que preferia ser eu no lugar do Miguel. Ele ainda me pediu, antes de morrer, que ficasse com o revólver que o padrinho lhe deixou. Assim que tiver uma dispensa, lhe apareço para uma visita de pêsames.

Do muito seu,

Manduca Oliveira.”

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